outubro 24, 2011

Conversa de deuses

Depois de uma passagem fugaz, mas intensa e exploradora de locais inesquecíveis, por exemplo, o grande bazar (a catedral labiríntica do consumo popular) e a mesquita azul (a omnipresente presença da religião muçulmana), por Istambul, a cidade global, cosmopolita e ponto de encontro das civilizações ocidental e oriental, viajei, de comboio, para Eskishir – uma cidade do interior da Turquia.
Todos nós temos expetativas muito diversas quando visitamos pela primeira vez um país. Posso dizer que sobre a Turquia mantinha a curiosidade de conhecer Istambul, a cidade que já foi Bizâncio e Constantinopla, e entender por que razão há motivos ou não para a adesão à União Europeia.
Satisfeita a primeira, pude observar o quotidiano da população turca e pelas conversas que tive com muitas pessoas poder-se-á argumentar que não deve ser a Turquia a querer entrar na União Europeia, mas precisamente o contrário: é a União Europeia que precisa da Turquia.
Para além da questão da religião, que suscita muitos receios aos políticos de corredores infindáveis, há a pujança económica deste país, com uma população de 70 milhões e com um comércio muito desenvolvido. Agora compreendo melhor a posição da França e da Alemanha, já que com a Turquia na União Europeia, o seu poder de decisão sairia enfraquecido.
Quanto à religião, é uma outra realidade que é simplesmente diferente. A Turquia tem uma das sociedades mais laicizadas, ainda que a presença da religião esteja em todos os lados, sobretudo pelo som proveniente dos minaretes que transportam a voz altifalantada almuadem, num ritual que se repete cinco vezes ao dia.
Depois de um período de reza, e no centro histórico otomano de Eskishir, não resisti a entrar numa mesquita, depois de ter cumprido todos os procedimentos exigidos. Na sala circular da mesquita apenas estava eu, contemplando o silêncio e olhando avidamente para todos os pormenores.
Eis que chega um crente muçulmano e coloca-se a meu lado. Sentou-se. Pediu-me para o fazer também. Fez-me perguntas, em turco, e respondi, em português. Entre nós houve um diálogo mais de expressões faciais, de contentamento, que de palavras. Senti-me protegido. Por ali ficamos, em diálogo inter-religioso por mais uns minutos.
Certamente que deixamos as palavras para os nossos deuses.

julho 17, 2011

Colossal...

Colossal.
É o adjetivo da moda, que parece pegar como suor em corpos de verão.
É colossal a dívida portuguesa. O que se deve, e que será pago pelas atual e pelas futuras gerações, é de um tamanho colossal. Mas bem pior está a Grécia e poderão vir a estar outros países.
É colossal o montante dos impostos que se pagam. E mais uma vez, apesar das palavras do Presidente da República, que se fartou de mandar recados, em tom de crítica, em tempos do governo do PS, quem paga são sempre os mesmos. Os coitadinhos dos capitalistas portugueses estão empobrecidos e nem sequer dinheiro têm para ir aos saldos das nacionalizações.
Assim, Portugal está à venda, mas ao desbarato, para que o mercado dos grandes senhores das finanças funcione, mais uma vez, à força dos medos que se têm gerado pelo estado da economia mundial.
Colossal é o desrespeito político que começa na União Europeia e termina Portugal.
Os fundadores da União Europeia sentiriam alguma vergonha política se ainda fossem vivos, restando-nos a voz crítica de alguns dos seus sucessores, nos quais se inclui Mário Soares, que não se cansa de avisar que a Europa navega para o lado errado.
Depois das eleições, em que o programa da “troika” foi sufragado por cerca de 80% dos portugueses votantes, é colossal, ao nível dos vencedores, com políticas neoliberais, a diferença entre o que disse e o que se faz.
Mais uma vez, e numa mentira colossal, funciona o esquema dos governantes: aumento de impostos - doa a quem doer, mas dói sempre mais a quem menos pode. E depois os números das estatísticas são sempre os culpados.
Também é colossal a indecisão em que nos encontramos. Um filósofo conhecido, José Gil, dizia um dia destes, que o que se passa a nível mundial obriga-nos a repensar tudo, deixando-nos à deriva por momentos, sem ideias e sem futuro.
Colossal é o tempo em que vivemos, debaixo de normas globalizadas a nível mundial, em que tudo parece igual e tudo é diferente.
Por mais colossal que seja a crise, e a luz ainda não se vislumbra ao fundo do túnel, apesar das receitas dos “troikianos”, que se enganam como qualquer pessoa deste mundo, não evitando que uma agência de “rating” tenha classificado Portugal ao nível de lixo financeiro, ou seja, onde os senhores do dinheiro, sem rosto e sem ética, não devem investir na compra de títulos da dívida pública. Mas esses tais senhores regressarão em força para comprar os saldos das nacionalizações.
Por isso, poderá não ser um erro colossal acreditar nos portugueses e na sua capacidade de enfrentar os problemas, pois só em momentos críticos da sua história foram tomando consciência dos caminhos a seguir, resistindo a muitas contrariedades, mesmo que o caminho a percorrer venha a demorar um tempo colossal.

junho 22, 2011

Chumbar duas vezes só com autorização dos pais

domingo, 19-06-2011
Diário Notícias, ANA BELA FERREIRA



Chumbar duas vezes só com autorização dos pais do ensino Básico. Para reter um aluno mais do que uma vez no mesmo ciclo, encarregados de educação têm de autorizar. Professores dizem que regras servem apenas para mascarar resultados
Dificultar os chumbos para fabricar o sucesso. Para os professores, este é objectivo das várias condições que têm de ser cumpridas para se poder reprovar um aluno no básico. Planos de recuperação, justificações escritas e uma legislação que determina claramente que a retenção "só ocorre após a aplicação de uma avaliação extraordinária" são alguns dos pressupostos que têm de ser cumpridos. E, para chumbar um aluno duas vezes no mesmo ciclo de ensino, a escola tem de contar com o aval dos encarregados de educação. "Caso o encarregado de educação não autorize, a escola terá dificuldade em chumbar o aluno", alerta José Augusto Pacheco director do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho. E os pais fazem questão de usar esta protecção da lei. No ano passado só a CNIPE (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação) ajudou cerca de 12 pais do ensino básico a contestar as notas dos filhos, exigindo uma classificação mais alta, o que em alguns casos se traduzia na passagem de ano da criança. "Em alguns casos ajudámos a contestar o primeiro chumbo e noutros era já o segundo", explica Maria José Viseu, da CNIPE. Mas a experiência de Ricardo Silva é contrária a esta realidade. "Sou professor do 3.° ciclo há muitos anos, já fui director de turma e nunca tive um pai que contestasse a opinião dos professores em relação aos resultados escolares do filho." Até porque, acrescenta o dirigente da APEDE (Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino),"normalmente os pais mostram-se perplexos e nem sabem o que escrever" no parecer que têm de dar, quando a segunda retenção dos estudantes no mesmo ciclo é ponderada. A autorização dos pais pode não ter um carácter vinculativo, mas José Augusto Pacheco não tem dúvidas de que é uma forma de dificultar os chumbos. "Tudo isto torna algo difícil concretizar uma retenção", diz. Uma coisa é certa, cada vez reprovam menos alunos e, apesar de o Ministério da Educação não revelar os dados do ano lectivo passado, em 2008/ /2009 só ficaram retidos 13% no básico. Ou seja, 159 215 estudantes num total de 1215380 do l.°ao 9.° ano.

A indicação de que os pais têm de ser consultados sobre os chumbos está fixada no despacho normativo 1/2005. O número 65 refere que "na tomada de decisão acerca de uma segunda retenção no mesmo ciclo, à excepção do 9.° ano, deve ser envolvido o conselho de docentes ou o conselho pedagógico e ouvido o encarregado de educação do aluno".

Os pais são informados no segundo período de que o filho está em risco de reprovar. Por esta altura, os pais são informados e implementam-se os planos de recuperação. Um conjunto de procedimentos estipulados legalmente que revelam, segundo Ricardo Silva, "uma desconfiança em relação ao trabalho dos professores. Como se eles não fizessem toda a vida planos de recuperação quando os seus alunos estão em dificuldades". De facto, as imposições legais até trazem constrangimentos. "Tanto quiseram salvaguardar o direito do aluno ao plano de recuperação que limitaram a sua aplicação a Março. Se um aluno ficar em risco após essa data, já não pode ter ajuda extra de forma oficial". A obrigatoriedade de ouvir os pais é importante, defendem os seus representantes. "Os encarregados de educação devem ser escutados e responsabilizados pelos filhos", diz Maria José Viseu. Mas revelam preocupações. "A dúvida é que os pais tenham formação para acompanhar os filhos nessa recuperação", alerta Albino Almeida, da Confederação de Pais.

Mudar de sistema ou levar mais a sério os apoios

AVALIAÇÃO Não concordando com o método actual, professores e pais pedem mudanças no sistema de avaliação dos estudantes. Albino Almeida, da Confederação de Pais, considera é que é preciso aplicar um método diferente. "Todos os alunos merecem uma segunda oportunidade. Por isso, defendemos o sistema de créditos. Os alunos não chumbam, apenas têm de juntar créditos suficientes para passar de ano. Se não conseguirem, trabalham no Verão para atingir esse objectivo", aponta. O professor Ramiro Marques defende que os apoios tutoriais devem ser levados mais a sério, já que neste momento apenas "se fazem um conjunto de justificações para poder chumbar um aluno, que só acrescentam burocracia". Assim, "o importante seria dar apoios tutoriais sérios nas disciplinas em que o aluno tem mais dificuldades e colocar os professores mais experientes nesse apoio. É assim que se faz na Finlândia". Também o coordenador nacional do Projecto Escolas Rurais e director executivo do Instituto das Comunidades Educativas, Rui d'Espiney, aponta para o impacto negativo das restrições aos chumbos, que têm por base "a imposição de resultados". "Se for necessário, neste momento, até com um chicote se impõem medidas para garantir que os resultados são alcançados". Uma ideia antieducativa, garante o professor. A sua experiência diz-lhe que o caminho está numa maior interacção entre a escola e a família. "Não se tem investido num diálogo para a construção de um projecto educativo. Se isso acontecesse ia aumentar o sucesso escolar", assegura. A.B.F.

junho 06, 2011

Bem-vindos os "troikianos"

Terminada a campanha eleitoral, depois de tantos meses de incertezas e de tantas palavras mil vezes ditas, terminada, ainda, a utopia das promessas eleitorais, chegou a hora da verdade.
Não interessa o vencedor.
Já se sabia que a mudança teria de acontecer, mais cedo ou mais tarde, pois quem tem o desgaste das decisões impopulares já conhece o seu destino político, embora esta derrota pudesse ter sido evitada, caso tivesse existido esclarecimento por parte de certos dirigentes nacionais, que sempre teimam em não reconhecer a realidade em que vivem.
Terminou, por isso, o tempo dos políticos, pelo menos, por três a quatro anos.
Começa, agora, o tempo dos técnicos especialistas em economia.
São os “troikianos” que passam a governar Portugal.
Os partidos vencedores apenas servem para escolher as pessoas que vão executar o que é imperioso fazer, alimentando assessorias, cargos e mais cargos, numa roda-viva de mudança no interior dos ministérios.
Até tantos de tantos reduz-se a taxa das empresas para a segurança social, até finais daquele mês e daquele ano sobem-se os impostos, privatiza-se o que é público e aumenta-se o que o simples cidadão tem de pagar pelos serviços públicos.
Depois, reduzem-se as freguesias e os concelhos, manda-se para o desemprego funcionários autárquicos e reduz-se o orçamento das autarquias em 15%.
A mudança parece que começa, desta vez, de baixo para cima, já que não é expectável que o Estado reduza o seu despesismo nas mordomias, mesmo que o governo venha a ter menos ministros, pois aumentarão, decerto, as secretarias governamentais.
O Estado gasta em excesso consigo próprio, tornando-se incompetente no momento em que o faz.
Só que a redução dos concelhos e das freguesias, a realizar até Julho de 2012, com aplicação nas próximas eleições, em 2013, desencadeará mais polémica e permitirá o confronto entre territórios desavindos, sendo raros os casos em que a mudança acontece por consenso.
E neste caso, os “troikianos”, os nossos verdadeiros governantes, que nos visitarão de três em três meses, durante três anos, vão presenciar lutas que jamais imaginaram, assistindo, na sua função de técnicos, a uma questão que mexe com tradições e emoções.
Sim, pertencer a um território é uma questão emocional, que sempre transportamos connosco, tornando-se difícil neste campo tomar decisões meramente técnicas.
Mas sobre isso, os políticos, na campanha eleitoral, nada disseram, calaram-se, não abriram a boca e comportaram-se como se nada fosse com eles.
E não é difícil de adivinhar quem mais sofrerá as consequências. E a questão inverte-se: os que ganham hoje são os que perdem amanhã, pois é este o verdadeiro jogo da democracia.

maio 23, 2011

E diz a "Troika" sobre concelhos e freguesias...

Reorganizar a estrutura da administração local.
Existem actualmente 308 municípios e 4.259 freguesias.
Até Julho 2012, o Governo desenvolverá um plano de consolidação para reorganizar e
reduzir significativamente o número destas entidades. O Governo implementará estes planosm baseado num acordo com a CE e o FMI. Estas alterações, que deverão entrar em vigor no próximo ciclo eleitoral local, reforçarão a prestação do serviço público, aumentarão a eficiência e reduzirão custos.

maio 21, 2011

Entre a"troika" e os programas dos partidos....

Para utilizar um fundamento filosófico relativamente à liberdade, e aplicando-o à atual crise político-económica, poder-se-ia dizer que tudo está efetivamente decidido em nós, sem nós. Quer isto dizer, que, enquanto sujeitos politicamente intervenientes, assistimos, com passividade, às decisões que são tomadas a vários níveis, decisões essas que são sobre nós, mas que apenas esperam de nós a retificação formal no dia 5 de Junho, quando temos motivos suficientes para dizermos que “nós” também contamos.
Desta conjuntura que estamos a viver, como vítimas de um poder político-económico e não propriamente como sujeitos construtores de uma outra realidade, prevalecem várias ideias.
A primeira ideia diz respeito ao primado do político sobre o económico. A política tem um papel secundário relativamente aos mercados e àquilo que hoje reina a nível mundial: o neoliberalismo. Em palavras simples, o neoliberalismo significa dizer que o Estado é mau e que o mercado é bom e que, por isso, as nossas vidas deveriam ser decididas em função de lógicas empresariais, sempre com a ideia no lucro e na competitividade. Não é, por acaso, que os organismos transnacionais querem que na escola se aprenda a literacia económica e que os mercados impõem a sua lógica na relação entre público e privado.
O melhor é o privado e o pior é o público: esta é frase na qual querem que acreditemos, pois a gestão do que é público (educação, saúde, etc., ) funcionaria melhor segundo a lógica da mera competitividade. Não só querem que acreditemos como nos impõem essas práticas em certas medidas governamentais e nos programas de alguns partidos políticos de direita.
A segunda ideia suporta-se na crença de que os portugueses funcionam melhor quando sob o mandato de estrangeiros. Por que razão, as medidas da “troika” não foram implementadas há mais tempo? Não há técnicos em Portugal que sejam capazes de pensar a realidade portuguesa em termos económicos e que sejam, também, de propor soluções
Em resposta a estas questões, os políticos portugueses gostam de adiar os problemas, entrando numa discussão estéril de atribuição de responsabilidades uns aos outros, e nunca ninguém é o culpado. Como se diz, a culpa morre sempre solteira.
A terceira e última ideia tem que ver com os programas dos partidos para as próximas eleições. Na sua simplicidade técnica, os senhores da “troika”, em 34 páginas, apresentam as medidas e indicam quando devem ser implementadas e verificadas o seu cumprimento.
Já, por sua vez, os programas dos partidos políticos, de quase todos eles, são lençóis de papel, com ideias confusas, enigmáticas e flexíveis, querendo dizer um coisa e ao mesmo tempo desdizê-la, dentro do politicamente correto.
Mesmo não concordando com os termos do contrato que a “troika” impõe dura e dolorosamente aos portugueses, gostaria de votar em função de programas simples e sinceros, com datas de cumprimento do que se propõe, e isto para que a política não seja a arte de mentir e enganar, no qual sinceramente não quero acreditar que seja.

março 20, 2011

À conversa com... António Pereira Júnior Presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura

In newsletter do IE, nº 5, 18 de março de 2011

Encontro realizado no Instituto de Educação (IE), Universidade do Minho UM), no dia 10 de Março 2011, com a presença do Presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura, do Presidente do Instituto de Educação, Prof Doutor Leandro Almeida, com o objectivo de identificar áreas de cooperação entre o Instituto de Educação da UM e a Câmara Municipal de de Paredes de Coura, no âmbito de um protocolo entre esta Autarquia e a Universidade do Minho.


Atendendo à crescente atribuição de competências às Autarquias Locais na área da Educação, como vê o contributo do Instituto de Educação para a sua Autarquia?

É finalmente a concretização de um desejo, com muitos anos, de trazer para Paredes de Coura um apoio cada vez mais forte na área da Educação. Nos muitos anos que levo na vereação e presidência da Câmara Municipal de Paredes de Coura foi sempre minha preocupação a Educação e a Cultura enquanto pontos importantes do desenvolvimento do nosso Concelho. Porque somos uma terra do interior, com grandes dificuldades nas acessibilidades, temos que fazer um esforço maior para conseguirmos ombrear com a região e com os concelhos envolventes. Enquanto membro e Presidente do executivo do município de Paredes de Coura, a área da educação, da cultura e do desporto sempre estiveram nas minhas preocupações.
Reparando há muitos anos nas nossas escolas, temos 21 Freguesias e em cada Freguesia tínhamos uma escola, em algumas situações com 2 salas, ou seja tínhamos 27 salas para uma população de 1500 alunos. Reparávamos, também, que de ano a ano, o número de alunos ia diminuindo nas escolas. Quando nos apercebemos tínhamos muito menos de 1000 alunos e as condições que tínhamos nos edifícios escolares eram extremamente precárias, apesar do esforço financeiro que a Câmara fazia para conseguir dotar esses edifícios de algum conforto e de condições para que professores e alunos pudessem desenvolver as suas actividades. Neste contexto organizamos umas jornadas para discutirmos o problema escolar do nosso concelho, tentando arranjar um caminho que fosse seguro para que as nossas crianças pudessem ter as mesmas condições e os mesmos objectivos das outras crianças do país.

Dessa organização fez parte o Professor Fernando Ilídio, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, que desenvolveu uma investigação sobre esta temática discutindo o Parque Escolar de Paredes de Coura e as condições educativas do concelho, envolvendo os decisores políticos e as comissões de pais. Concluiu-se, na altura, que nós teríamos de concentrar os alunos em dois edifícios escolares, estrategicamente localizados no concelho, para acudir a toda a população. Nessa matéria, de reorganização do parque escolar, fomos pioneiros, enquanto isso não era ainda desígnio nacional.

Quando o governo decidiu avançar, já a nossa Escola, o Centro Escolar, estava construído. Nesse momento, constatamos que já só tínhamos cerca de 300 alunos em todo o concelho e decidimos tomar a decisão de construir apenas uma escola na sede do concelho. Fomos pioneiros na concentração de escolas a nível do país, sem ajuda quer do governo ou de outras entidades, e arrancamos com esse projecto que foi muito discutido e participado.
Mais do que isso, aliás mesmo antes das escolas estarem concentradas, procuramos dar aos nossos alunos, facilidades na área das Novas Tecnologias, por exemplo colocando telefone e computadores em todas as escolas. Por vezes com alguma resistência por parte dos professores porque não estavam familiarizados com as Novas Tecnologias, mas a verdade é que conseguimos dar formação aos professores e convencê-los de que esse sector também era da sua responsabilidade e avançamos.
Daí que a nossa preocupação de conseguirmos parcerias para levar ao nosso concelho o conhecimento científico mais avançado fosse de há muitos anos. Tentamos através da Universidade do Minho numa primeira oportunidade mas não obtivemos recepção às nossas intenções, depois com o Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Certo que nunca desistimos apesar das situações desfavoráveis. Agora que a Universidade do Minho decidiu atender-nos, estamos extremamente felizes e excitados com esta parceria, esperando que o Instituto de Educação ajude o desenvolvimento da educação no nosso concelho, um concelho muito pobre e rural. Lembro que só os ricos do concelho tinham possibilidade de sair para fora para estudarem em Braga, Coimbra ou Porto. Finalmente agora temos mais gente na Universidade. Esta parceria com a Universidade do Minho e com o Instituto de Educação permite levar até Paredes de Coura a oportunidade de, sem terem de sair de Paredes de Coura, as pessoas poderem formar-se e desenvolver o seu conhecimento.


Em que áreas ou projectos essa parceria pode ser realizada?

Os projectos estão a ser estudados por um grupo de pessoas que são funcionários da Câmara e por colaboradores do Instituto. A partir da reunião que ocorreu hoje existe a necessidade de se criarem projectos que tenham a ver com o empreendedorismo social e com a formação contínua de professores no nosso concelho de Paredes de Coura. Como disse anteriormente, nós somos um concelho rural e pobre, que viveu sempre da agricultura e que precisa de ter imaginação e empreendedorismo. Os agentes em Paredes de Coura não têm conseguido puxar para o concelho grandes industriais para podermos empregar os nossos jovens, e daí que a sua população tem envelhecido assustadoramente. Somos talvez o segundo concelho do país com a média de idades mais avançada.

Este primeiro projecto de empreendedorismo social vai abrir condições para que possamos cuidar com mais qualidade da nossa população, apesar de todo o esforço que temos empreendido ao longo dos tempos. Os jovens que temos no concelho são poucos, nas escolas temos menos de 1000 jovens em todos os níveis de ensino, básico, secundário e profissional, mas temos de segurar estes. A vida no concelho não é fácil, e por isso temos de ajudar estes jovens para que se desenvolvam e sejam capazes de criarem o seu emprego. Estes jovens já não se revêem na economia do sector primário, a dos seus avós.

Por outro lado, queremos também criar as melhores condições no concelho para valer aos idosos que lá estão. Apesar da qualidade de vida existir e ser muito agradável viver em Paredes de Coura, a maneira como se passa o tempo não preenche todas as expectativas. Com a parceria do Instituto de Educação da Universidade do Minho, estou convencido que vamos encontrar soluções para atingir os nossos objectivos e desejos.


Quais são as linhas de acção desta parceria e cooperação com o Instituto de Educação?

As linhas de acção têm de ser definidas através destas reuniões preliminares que estamos a fazer, para criarmos um fio condutor do que vai ser esta parceria na área da educação, formação e desenvolvimento social. Estamos a começar as nossas conversas, o projecto está a ficar definido. Depois há que dar forma ao projecto, pensar as prioridades e definir os passos a serem dados. Estou convencido que está tudo bem encaminhado, o empenho de todos os elementos do Instituto e dos agentes de Paredes de Coura, permite-nos afirmar uma grande satisfação nesta parceria. Estou convencido que este projecto vai ter pernas para andar de forma simples e eficiente. Da nossa parte é possível contar com o nosso valor, com o conhecimento que temos da nossa terra e das nossas necessidades. Estamos todos empenhados em obter os melhores resultados desta parceria

março 08, 2011

Pôr-do-sol em flor...


Planalto do Côa (Almendra). Amendoeira em flor (II)


Planalto do Côa (Almendra). Amendoeira em flor.


Douro em flor....


Gravuras rupestres do Côa: Passado e futuro ...

Ao longe, do lado esquerdo, os preparativos barragem esventrados na montanha. Do lado direiro, o museu em diálogo com os rios Côa e Douro.

Museu do Côa: uma fenda no espaço cultural


Fortaleza...descanso calmo...


D.Pedro II: Mais do que imperador...


Fortaleza (Mercado central)


Redenção (Fortaleza)


Redenção: Praça da liberdade. A primeira localidade a abolir a escravatura no Brasil. Sede do Campus da UNILAB.

Um grupo de dizedores de poesia em lingua portuguesa


Verso de Boca

Praia do futuro (Fortaleza)... uma praia que espera...


UNILAB... o futuro da cooperação em língua portuguesa


Uma universidade em construção... UNILAB


Sorridos cearenses

Não, não é uma prisão, apenas sorrisos de crianças do Ceará, no recreio de uma escola.

Maciço de Batourité...


Quem fala em Fortaleza, fala em praias. No entanto, há o interior do Estado do Ceará, tão verde e tão agradavel com as chuvas de verão...

fevereiro 26, 2011

Reforma administrativa... a questão pode ser colocada?

Num país que começa a entrar perigosamente no seu absurdo, sobretudo se for considerado o modo como se faz o esbanjamento dos dinheiros públicos, quer na massa salarial de certos ex-políticos e/ou solidários de aparelhos partidários, quer nos cortes dos salários e na manutenção de reformas principescas, pagas pelos contribuintes, começa a ganhar sentido a reforma das reformas: a reforma administrativa do país e a do seu sistema político.
Numa conversa “off the record”, um actual presidente de câmara do Alto Minho dizia-me, há tempos, que era urgente começar a reforma dos municípios, pois não se entende como é que continuamos tão divididos e tão agarrados a territórios cada vez mais isolados e pequenos na sua dimensão eleitoral.
Há que concordar que não será tarefa fácil a redução do número de concelhos e que nenhum governo minoritário será capaz de fazer essa reforma. E por vários motivos. O principal é que o concelho é uma marca de afectividade histórica e localmente construída, tornando-se difícil fazer a fusão de concelhos que só sabem jogar ao bairrismo. Depois da concentração das escolas, das paróquias, dos centros de saúde e dos tribunais, aparecerá, leve o tempo que demorar, a concentração dos concelhos.
Mas antes dessa fusão, e Paredes de Coura não terá muitas dúvidas quanto ao seu futuro, já que a sua tendência é a de voltar-se para o litoral e não para o interior, como atesta o seu passado, far-se-á, decerto, a fusão das freguesias. Digamos que será o teste da reforma dos concelhos.
A gestão dos recursos pode-se fazer de uma forma diferente, reconhecendo que concentração pode trazer muitos benefícios à população. A denominada política de proximidade, que tem de começar ao nível das freguesias, pode funcionar melhor se os serviços estiverem organizados numa dimensão suficientemente aceitável e se não forem duplicados num espaço que não é assim tão distante. Trata-se, com efeito, de uma reforma que envolve mudança de mentalidades e que deveria ser alvo de uma discussão, sem haver a necessidade de ser imposta pelos outros. Das 21 freguesias, em Paredes de Coura, quantas ficariam?
Ou será esta uma pergunta proibitiva?
Paralelamente a esta reforma, torna-se crucial a mudança do sistema de governação. A nível local, a Assembleia Municipal necessita de funcionar de modo diferente e os Presidentes de Junta de Freguesia poderiam participar num outro órgão. A formação de maiorias autárquicas poderia tornar-se mais fácil e a governação deveria ser mais participativa, dando-se mais hipóteses de acção aos munícipes. O que existe em termos de consulta pública é meramente formal e a participação em reuniões é residual.
A nível nacional, seria fundamental reduzir o número de deputados. Não se entende a razão pela qual a Assembleia da República é uma excepção à crise, mais ainda quando são diariamente anunciadas aos portugueses mais dificuldades. A eleição dos deputados e a sua relação com os eleitores afasta progressivamente os portugueses da política, havendo o desinteresse generalizado. A última eleição presidencial é um bom indicador: a representatividade eleitoral deste presidente é incrivelmente baixíssima, denotando a falta de confiança de 60% dos portugueses (os que não votaram, os que votaram em branco e os que inutilizaram o boletim de voto).

fevereiro 23, 2011

Pisar a avalição dos alunos...

O jornal "Público", citando documento da OCDE, noticia que "os exames feitos no âmbito do PISA (Programme for International Student Assessment), que avalia o desempenho escolar dos jovens de 15 anos dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e de outros países ou parceiros económicos, vão passar a testar os conhecimentos dos alunos em termos de literacia financeira já em 2013".

Esta medida só vem reforçar os propósitos deste estudo internacional, muito determinado por lógicas produtivistas de conhecimento escolar.

fevereiro 06, 2011

Todos iguais?

A senhora da Europa, a chanceler Angela Merkel, disse, em tempos não muito longíquos, que o multiculturalismo fracassou na Alemanha, devendo os imigrantes, os não europeus, claro, aceitar os valores cristãos, para além de terem de aprender a falar a língua do país que lhes dá trabalho.
Agora, segundo dados do jornal "Público", de 6 de Fevereiro de 2011, e falando num seminário com a partiticiapção de Merkel, na Alemanha, é a vez do primeiro-ministro inglês David Cameron dizer o mesmo, isto é, que a aceitação da cultura dos que são diferentes dos europeus, sobretudo os muçulmanos,ainda que muitos deles tenham a cidadania inglesa porque são filhos de imigrantes, já radicados no país há muitas décadas, é impossível, pois devem ser educados num "liberalismo musculado activo", no sentido de reforçar os valores da igualdade e da lei e de impor uma cultura comum. Por isso, os imigrantes, diz Camerom, devem aprender a a falar inglês e as escolas têm de ensinar a "cultura comum do país" para que todos tenham um sentido de pertença.
O multiculturalismo, na aceitação do respeito de cada cultura, sem a imposição de uma cultura que é alheia aos outros, como o colonnialismo fez ao longo de séculos, coloca a questão do relativismo. Também no mesmo jornal, mas na revista "Pública", o padre e filósofo português Anselmo Borges afirma que "tem de haver algo de transcultural", pois "se não houver algo de comum, como podemos dialogar uns com os outros?". E o que é comum a todos é a universalidade "da dignidade do ser humano".
E enquanto se olha para outras diferenças, querendo-se a igualdade forçada, esquece-se que todos têm direito a essa dignidade, só que ela manifesta-se não só pelos valores, mas também pelas condições económicas e sociais que cada um tem.

janeiro 24, 2011

Frei Redento da Cruz (1589-1638)

Sendo bastante conhecido pelos seus méritos de escritor, Narciso Alves da Cunha destaca-se por ser o autor da monografia “No Alto-Minho-Paredes de Coura”, justamente considerada a jóia da coroa no quadro da história local.
Além disso, e não contando com a escrita dos seus discursos no Senado da 1ª República, ao qual conferiu a sua sageza de juiz e sacerdote, escreveu, em 1907, o opúsculo religioso “Resumo da Vida e Martírio do B. M. Redento da Cruz, Carmelita, natural de Paredes de Coura”.
Depois de uma procura deste livro, descobri dois exemplares: um na Biblioteca Nacional, em Lisboa; outro na biblioteca da Escola Secundária Santa Maria Maior, de Viana do Castelo, no legado de Júlio de Lemos, aliás um dos grandes amigos de Narciso Alves da Cunha.
Com a ajuda preciosa de um courense – o Doutor Júlio Pedrosa – tive acesso à biblioteca de Júlio de Lemos, prontamente disponibilizada pelo Director da Escola.
Da leitura nota-se que Narciso Alves da Cunha manteve sempre o seu lado de sacerdote, apesar de não ter sido responsável por uma paróquia, tendo assumido funções religiosas na Capela da Universidade de Coimbra e nas Confrarias do Espírito Santo e da Nª Srª do Livramento.
Depois de ter obtido a autorização do Bispo de Braga para a sua publicação, e quem ler “atenta e devotadamente a vida do referido mártir”, tem “a indulgência de 100 dias”, começa do seguinte modo a sua escrita:
“Entre as muitas terras da Província do Minho, reino de Portugal, encontra-se uma, ao norte, situada emtre acidentados montes, cuja origem se perde na noite dos tempos: é Paredes de Coura.
Fértil nos seus vales e abundante de cereais, não o tem sido menos em varões ilustres, quer na arte da guerrra, quer em virtudes cívicas e religiosas, e até em santidade.
Entre estes, ocupa lugar proeminente aquele que, no século, foi conhecido pelo nome de Tomás Rodrigues da Cunha, e na Ordem dos Carmelitas Descalços por Fr. Redento da Cruz. Nasceu na freguesia de Cunha, lugar de Lizouros, deste concelho de Paredes de Coura, e foi baptizado em 15 de Março de 1589, na de Paredes”.
Com origem numa nobilíssima linhagem, com outros membros ilustres “nas esferas da ciência”, e “na qualidade, pois, de militar e contando apenas dezanove anos, seguia para a Índia em 1617, acompanhando o conde do Redondo - D. João Coutinho – prestando ali bons serviços o nosso Tomás Rodrigues da Cunha. Não se deixou, porém, embriagar com as grandezas da terra, nem com as vaidosas honrarias humanas, que cedo o procuraram, pois não tardou que o nosso ilustre conterrâneo fosse nomeado capitão da praça de Meliapor, cargo que o impunha à consideração pública e favor do Rei. Por isso, muito novo ainda, depôs a sua leal espada, despiu a nobre farda de soldado português e, calçando as sandálias dos Carmelitas Descalços na cidade de Tata – império do Grão Mongol – trocou o nome de Tomás pelo de Redento da Cruz”.
Depois de ter estado em vários conventos (Data, Diu e Goa), onde desempenhou cargos humildes (sacristão e porteiro, por exemplo), Fr. Redento da Cruz integou uma embaixada ao Rei de Achém (actualmente, a terra denomina-se Aceh, situada na ilha de Sumatra, pertencente à Indonésia) com vista ao estreitamento de relações de amizade, isto é, de comércio de especiarias.
Porém, e narra Narciso Alves da Cunha que por força dos interesses dos Holandeses, a comitiva em nome do vice-rei da Índia foi recebida com grande animosidade, tendo muitos deles sido submetidos a trabalhos forçados. Fr. Redento da Cruz tornou-se guardador de búfalos, o que não evitou, já que se recusou a renunciar à religião cristã, de ser executado na praia, juntamente com os outros portugueses, a “28 ou 29 de Novembro de 1638”.

janeiro 15, 2011

Narciso Alves da Cunha

Texto (da autoria de Luís Dantas) retirado do endereço
http://luisdantas.skyrock.com/9.html

Narciso Cândido Alves da Cunha nasceu na freguesia de Formariz, Paredes de Coura, a 5 de Setembro de 1851. Estudou em Braga, no liceu e no seminário. Mais tarde, em Coimbra, foi ordenado presbítero (1878) e concluiu o curso de direito (1881). Ocupou diversos cargos: Conservador do Registo Predial da comarca de Paredes de Coura (1885-1901), Magistrado em Bragança (1901-1908) e no Funchal (1910-1911), Administrador do concelho e Presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura (1908-1911), Deputado e Senador (1911-1913). Foi um «homem de saber, de falar e de escrever» (1). A sua obra «No Alto Minho – Paredes de Coura», editada em 1909, não é só um reflexo do carinho consagrado ao património da sua terra e da sua gente, mas também o repositório de vastos conhecimentos no domínio da história, da arqueologia, da lexicologia e da etnografia. Em Agosto de 1905, foi anfitrião e companheiro de Leite de Vasconcelos (1858-1941) na exploração dos dólmenes na Serra da Boulhosa.
Eleito deputado por Ponte de Lima (Círculo n.º 2), nas eleições de 28 de Maio para as Constituintes de 1911, representou com empenho, afinco e probidade, os interesses da região minhota. A sua acção política esteve sempre relacionada com as grandes causas. Na Câmara do Senado, na sessão n.º 9 do dia 14 de Dezembro de 1911, chamou a atenção para os problemas da instrução primária e popular: os maus métodos de aprendizagem; a existência de salas de aulas em casas particulares com vários meses de renda em atraso; a falta de escolas públicas e os edifícios degradados: «à escola da vila de Ponte de Lima, concelho muito populoso e muito frequentado por forasteiros, ruiu lhe o tecto, há tempo, não tendo havido desgraça porque os alunos não foram atingidos pelos destroços.
Doutra escola que conheço, a escola de Ferreira, no concelho de Paredes de Coura, diz o próprio professor que quando chove, é preciso abrir os chapéus-de-chuva para se abrigarem da água.» (2)
Num dos seus discursos sobre o mesmo tema, o tribuno apresentou um projecto de lei para a «criação duma escola agrícola, prática, móvel, pelo sistema das escolas conhecidas pelo nome de Maria Cristina (3), e que tem dado óptimos resultados.» (4) Em boa hora, estas escolas tinham já triunfado em várias localidades: Rio Tinto (1901), Vila Nova de Famalicão (1902), Guimarães (1903), Barcelos (1904), Santa Marta, Viana do Castelo (1905), Braga (1906), Arcos de Valdevez (1907), Ponte de Lima (1908), Penafiel, Amarante (1909) e Marco de Canavezes (1911). Foram surgindo outras também de iniciativa individual, na mesma ocasião, com o nome dos seus patronos: «Comércio do Porto» (cujo título foi escolhido pelo Conde de S. Cosme do Vale, Famalicão, 1903); «Conde de Sucena» (Borralha, Águeda (1904), Azeméis (1905), Ovar e Estarreja em 1907); «José Bessa» (Barcelos, 1905); «Alves Teixeira» (Vidago, 1907); «Condessa de Sucena» (Águeda, 1907); «Conde de Agrolongo» (Guimarães, 1909) e «Rodrigues de Morais» (Ponte de Lima, 1909).
Alves da Cunha tinha ali a palavra límpida, larga visão do futuro - a emoção também o dominava - vontade de compartilhar a vida digna com os homens, as mulheres e as crianças do mundo rural, com «as massas anónimas, que vivem do campo, que vivem da terra e para a terra, que mourejam todo o dia, hora a hora, desde manhã até de noite, debruçadas sobre a mesma terra para lhe pedirem pão para comer e até para o dar ao Estado. Estas classes considero as eu como o verdadeiro nervo da Nação (Apoiados), e por isso hão de permitir me que lhes diga que elas têm sido, precisamente, as mais esquecidas. (...)
Esse povo, ou essa classe do povo, donde venho e com o qual me criei, cujas dores tenho auscultado desde há muitos anos, a cujas festas tenho assistido e com quem ainda há pouco privei perto de quatro anos para lhe estudar e registar a linguagem (...), é de índole naturalmente boa, sofredora e ordeira. (Apoiados).
O povo do norte, e quando digo norte não me refiro a esta ou aquela província determinada, mas a uma grande parte, senão à maior parte do país, é essencialmente trabalhador, respeitador das autoridades, pontual no cumprimento dos seus contratos e verdadeiramente amorável.
Haja vista o que se passa no Alto Minho, naquelas montanhas da Peneda, Soajo e Castro Laboreiro, quando algum forasteiro (e são bem poucos os que por lá aparecem) se abeira do tugúrio do mais pobre dos habitantes que estão encerrados nas ravinas daqueles montes: o hóspede é, para eles, uma pessoa sagrada e é tratado com o melhor que há em casa que, na maior parte dos casos, é pão de centeio e leite.» (5)
Em Abril de 1912, defendeu ainda com entusiasmo «um projecto de alta importância regional, e até nacional» (6): os caminhos-de-ferro do Alto Minho.
A sua voz lúcida, vibrante e firme deixou se de ouvir, mas permanece ainda hoje o eco retumbante dos seus ideais luminosos.
O grande homem público caiu gravemente doente devido a uma pneumonia, e morreu em Lisboa, na casa da Travessa da Palmeira, 64, 2.º andar, no dia 15 de Janeiro de 1913.


NOTAS

(1) Jorge Fernandes Alves, in Narciso Alves da Cunha, Perspectivas do Alto Minho, Intervenções Parlamentares, Edição da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Paredes de Coura, 1997, pg. 9
(2) Narciso Alves da Cunha, Perspectivas do Alto Minho, Intervenções Parlamentares, Edição da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Paredes de Coura, 1997, pp. 33-34
(3) «Tendo o Comércio do Porto preconizado a ideia de que para o engrandecimento agrícola em Portugal se carece não de altas escolas agrícolas, mas sim de ensino posto ao alcance dos mais modestos lavradores, um devotado filho do Porto, em cujo carácter parece reviver o civismo da velha raça portuguesa, leu no Brasil essa afirmação do jornal portuense e, no meio do labutar incessante da sua prodigiosa actividade de comerciante, lembrou se de proporcionar ao próprio Comércio do Porto os recursos pecuniários para a realização do pensamento de que fora apóstolo.
(...)
Interrogado o criador dessas mensageiras do futuro agrícola de Portugal sobre o título que deveria dar se às escolas, respondeu muito singelamente: «Chamem se «Maria Cristina» - o nome da minha mulher.»
Bento Carqueja, Escolas Móveis Agrícolas, Ilustração Portuguesa, n.º 110, Lisboa, 30 de Março de 1908
(4) Narciso Alves da Cunha, Perspectivas do Alto Minho, Intervenções Parlamentares, Edição da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Paredes de Coura, 1997, pg. 35
(5) Idem, idem, pg. 36
(6) Idem, idem, pg.127

Casimiro Rodrigues de Sá (Abade de Padornelo e de Bico)

Transcrição do texto (da autoria de Luís Dantas) inserido no endereço
http://luisdantas.skyrock.com/10.html

nasceu em S. Pedro de Fins de Parada, Paredes de Coura, em 24 de Abril de 1873. Estudou no Seminário de Braga, concluindo ali o curso de Teologia (1894). Fundou e dirigiu o periódico Clamor do Povo, deixando colaboração dispersa no Jornal de Coura, Liberdade de Coura, Notícias de Coura, Voz de Coura, Melgacense, Valenciano, Palavra, Minho, Ecos de Vez, Primeiro de Janeiro, Voz Pública, O Povo, Defesa, Voz de Ourém, Voz de Valença, Diário Portuense, Época, Intransigente e Debate. Na sua terra, foi Professor da Escola Primária, Pároco de Vascões, Prior de Parada, Abade de Santa Maria de Padornelo, Presidente da Câmara Municipal e Administrador do Concelho.
Deputado eleito por Viana do Castelo em 1911 e 1915, assinou o projecto de decreto a favor da construção e exploração dos caminhos-de-ferro do Alto Minho.
Ao longo de uma actividade prática de homem político, a intervenção parlamentar e o seu trabalho dedicado e fecundo revelam de maneira bastante característica o espírito de paz e de moderação contra as ideias radicais. Começou a inclinar se, desde muito cedo, em favor do grupo liderado por António José de Almeida. Esteve até com ele, em 1912, na criação do Partido Evolucionista., que se afirmava liberal e progressista. Mais tarde, em 1917, é um dos dissidentes que, com o Lente de Medicina da Universidade de Lisboa António Caetano Egas Moniz, o Médico e Capitão-de-fragata Alexandre de Vasconcelos e Sá, General José Augusto Simas Machado e o Capitão João Tamagnini Barbosa, vai constituir o Partido Centrista Republicano.
O Padre Casimiro Rodrigues de Sá moveu se sempre em busca do compromisso e das leis harmoniosas inspiradas na vontade popular. Fez várias moções e propostas sobre quase todas as grandes e pequenas questões nacionais. Das suas peças oratórias, a mais marcante e a que teve maior êxito aparece relacionada com as Confrarias no âmbito de Lei da Separação da Igreja do Estado: «Eu lamento, Sr. Presidente, que um decreto da importância deste que agora está em debate, venha para a Câmara parcelarmente, de forma a começar a sua apreciação a ser feita a retalhos; porque, a meu ver, sobre um assunto desta momentosa gravidade, sobre uma lei de tal magnitude, como é a lei da Separação da Igreja do Estado, devia incidir um estudo de conjunto, que sistematizasse princípios e formulasse um plano, e que sobretudo se baseasse nas modernas concepções jurídicas, sobre as quais os tratadistas formulam e estabelecem a teoria das relações que devem presidir ao regime de separação entre o Estado e a Igreja, entre o poder público e as diversas confissões religiosas. Por isso, eu não entro de boa vontade no debate; por motivos especiais, porém, tenho de tomar parte nele; de mais a mais, versando ele sobre modificações a artigos da lei de Separação, que particularmente interessam corporações populares da mais valiosa importância social.
Nós continuamos, Sr. Presidente, a ser o país da papelada, dos processos dilatórios e das arbitrariedades governativas.
Nós, como poucas nações do mundo, temos um volume de legislação enormíssimo. Mas, a nossa legislação nasce mais do cérebro dos legisladores, onde fora do exame atento das condições do meio, aridamente germina, do que da vontade popular, que é o seu termo de destino e a força consciente que há-de cumprir as suas disposições. Ora, um país governado por muitas leis, já há muitos séculos que um grande espírito jurídico e um grande talento oratório o definiu e julgou em sentencia, que nada tem de lisonjeira, ou mesmo de agradável. Eu vou repetir aqui, em latim, as palavras de Cícero, já porque a sua nativa pureza lhes deixa toda a sua energia condenatória, já porque elas devem soar bem nesta sala, onde a todo o momento se fala no statu que ante e também algumas no ax aequo et bono. São estas: plurimae leges, péssima Republica.
Também um membro do Parlamento inglês colocou em situação inferior e fraca aquelas nações, que legislam sem ouvir a vontade da colectividade, isto é, empiricamente e ao acaso de impulsos ocorrentes, pois melhor governadas considera aquelas que procedem de modo inverso.
Refiro-me ao ilustre homem de Estado e alta notabilidade jurídica, Lord Rosebery, que não há muito, numa das sessões anuais da Sociedade de Legislação Comparada, proferiu estas memoráveis palavras, portadoras de profundo pensamento: «O Estado mais próspero é o que efectua o seu desenvolvimento, mercê do carácter e da acção dos cidadãos, com o mínimo de assistência do legislador.»
Entre nós a acção legislativa não obedece ao preceito concepcional de Rosebery; fazem-se leis a esmo, atiram-se para o meio da sociedade, que não as inspirou, e aguarda se, numa expectativa calculada, a maneira como serão recebidas pela generalidade dos cidadãos...
É cómodo, dispensa estudo, observação, e saber experimentado; mas não deixa também de ser inábil e de ser sumamente desastrado.
E é em assuntos do carácter deste que se discute, assuntos que tem de ser atacados de frente, que tem de ser por fim resolvidos de harmonia com a vontade nacional, que até agora em tal não foi vista nem achada, que precisamente se procede de maneira contrária aos usuais processos de estudar todas as questões sociais.
Nos assuntos que dizem respeito à indústria, ouvem-se os industriais; nos que respeitam ao comércio, ouvem-se os comerciantes; nos relativos à agricultura, ouvem-se os agricultores; mas isso, que se faz em toda a parte onde os homens de Estado procuram seriamente que a legislação traduza o espírito nacional, e que entre nós também em parte se tem feito, ninguém procurou que dalguma maneira se esclarecesse um dos mais difíceis problemas que ao Governo da República cumpria resolver, qual era o de estabelecer em bases justas e liberais o sistema de relações entre o Estado e a religião, num regime separatista.
Havendo para os cidadãos portugueses um statu que ante, pelo menos tão respeitável como o que continua a vigorar para os estrangeiros, que estão numa situação de manifesta e excepcional superioridade; havendo duas partes, que por legítimas concordatas, estavam ligadas por contratos de natureza vigorosamente bilateral, em que, portanto, os deveres e os direitos eram mútuos, tudo foi esquecido, e a aliança jurídica foi desfeita pela intervenção duma só parte, que propositalmente excluiu a outra dessa violenta rescisão.
É por isso que o decreto, que se discute, veio à prática cheio de defeitos, e se tornou motivo para descontentamentos, de indignações reconhecidamente legítimas e de justas reprovações quase gerais.
Vozes: - Não apoiado.
O Orador: - Parece-me que sei o que digo; e como não é a lei da Separação, que se está discutindo e, sim, só alguns artigos dela, apenas na apreciação desses artigos me demorarei, renunciando por agora à tarefa de discutir o diploma na sua significação total.
Uma voz: - É pena.
O Orador: - Mas eu não tenho pena de que V. Exa. fique com os seus desejos insatisfeitos, e não lhe faço a vontade nesta ocasião.
Como disse, tenho de falar neste assunto, principalmente porque, quando aqui há tempos, em princípios de Janeiro, se a minha memória bem se recorda, foram apresentadas, nesta Câmara, por mim, em sessão e deste lugar, representações de oitenta e tantas confrarias, que pediam, na parte que se ocupa dessas corporações, fosse suspensa a execução do decreto de 20 de Abril de 1911, até que o Parlamento o tivesse revisto, por serem incomportáveis os encargos para elas criados, o Sr. Ministro da Justiça, esquecido talvez do preceito constitucional que garante o direito de petição amplamente, recebeu esses documentos por uma forma mais que estranha e manifestamente indelicado, e hostil.
Havendo o pleno direito de pedir e sendo aquelas representações formuladas em termos educados e correctos, de forma alguma podiam ter da parte do Ministro semelhante acolhimento, que, de facto, muito me surpreendeu.
O Sr. Ministro da Justiça disse nessa ocasião, afirmando eu e as representações que as confrarias não podiam ceder para instrução e beneficência dois terços das suas receitas totais, que eu e os signatários dos documentos citados não tínhamos lido a lei da Separação, ou que não a soubemos ler; enfim, que não a entendíamos.
Ora, S. Exa. já tinha publicado uma portaria aí por meados de Novembro de 1911, a propósito de representações de confrarias de Lisboa, que era precisamente da minha opinião. Pelo menos essa portaria traz a sua assinatura, e, no seu final, diz o seguinte: O Governo da República Portuguesa... há por bem determinar... se considerem subsistentes as... irmandades e confrarias... que assuma a obrigação... de apresentarem oportunamente o orçamento respectivo, organizado dentro dos limites do artigo 38.° da lei de Separação, de 20 de Abril de 1911.
Ora o artigo 38.° preceitua que essas corporações cedam dois terços dos seus rendimentos brutos para os fins acima nomeados. Em Janeiro o Sr. Ministro da Justiça mandava-me para o artigo 32.° que se refere unicamente às corporações cultuais. Tinha então lido pouco a lei.
O Governador civil do Porto, que talvez saiba ler leis, publicou, nessa ocasião, o seguinte, num edital dirigido a todas as corporações da natureza das que me venho ocupando:
"2.° As verbas destinadas a actos cultuais não podem exceder o limite fixado no artigo 38 ° da lei de Separação do Estado das Igrejas, para verificação do que os orçamentos virão acompanhados, alem dos outros devidos documentos, dum mapa das despesas efectuadas nos últimos cinco anos".
Esse governador civil, bacharel formado em direito, juiz com bons créditos e jurisconsulto de nome respeitado, também lê e entende a lei como eu e como os signatários das representações que por minha mão foram enviadas para a mesa desta Câmara.
Parece, pois, que a minha hermenêutica não era errada, e que o mesmo se não pode dizer da interpretação que o Sr. Ministro da Justiça pretendeu dar a alguns artigos duma lei que S. Exa. supõe conhecer melhor do que ninguém.
Exposta por forma, que julgo peremptória, a defesa do meu antigo parecer, continuo a apreciar a situação das confrarias perante a lei de Separação.
Apresentei as representações das confrarias não somente por comprazer com os signatários delas, mas sobretudo porque eu pensava em plena concordância com o seu modo de ver sobre esta importantíssima questão.
Quero dizer: eu, de harmonia com as considerações das representações aqui trazidas e defendidas, entendia que a verba de dois terços, tirada das receitas totais das confrarias para beneficência e instrução, era exageradíssima.
Hoje, ainda continuo a sustentar a mesma opinião, pois a quantia apontada é manifestamente excessiva e, propriamente, envolve a ruína das corporações sobre que vai pesar.
As corporações cultuais é que tem unicamente de concorrer para os fins indicados com um terço. Esta disposição da lei também é pelo menos absurda e contraditória, pois que a lei diz que da soma que os fiéis devem para fins cultuais um terço será aplicado a beneficência e instrução.
Parece lógico que o que os fiéis duma religião dão e destinam a fins cultuais deve exclusivamente ser empregado nesses fins. Dar-lhe aplicação diversa é inverter e contrariar violentamente a vontade e as intenções dos dadores.
O Sr. Germano Martins: - V. Exa. acha que dizer missas é melhor do que fazer obras de caridade?
O Orador: - Eu não acho nada, nem ponho essas cousas em paralelo, que afirmo é que o que cada um dá voluntariamente para ter aplicação determinada, por ninguém deve ser desviado do seu natural destino. Por que não se lançam idênticas imposições sobre as diferentes associações, como, por exemplo, às de recreio e divertimentos?
O Sr. Germano Martins: - V. Exa. compara as sociedades de recreio às missas!
O Orador: - Eu estou falando sério e não admito troças. De resto, eu não fiz ainda comparações nenhumas, sendo portanto completamente descabida a reflexão de V. Exa.
O Sr. Germano Martins: - V. Exa. é que está fazendo troça.
O Orador: - As confrarias são antigas na Igreja, e tem carácter idêntico às de outras associações, pelo que respeita a direitos. Os irmãos são os seus membros e sócios, que as sustentam com as suas cotas e trabalho, e que portanto devem ter a faculdade plena de as administrar autonomamente, pois governam o que é seu.
As confrarias são antiquíssimas, e desde o princípio dispensaram os maiores cuidados à instrução e à assistência, e não só à sustentação do culto, sendo por conseguinte verdadeiras associações de socorro mútuo.
Hoje continuam as suas antigas e humanitárias tradições, que são de reconhecida benemerência social, não sendo as portuguesas as que menos serviços tem prestado, com verdadeira dedicação e até com grandes sacrifícios de muitos que as administram.
O que elas, porém, de forma alguma podem é ceder a quantia fabulosamente exagerada, que a lei de Separação lhes exige, sem atenção pelas circunstâncias boas ou precárias de cada uma dessas corporações.
Para a beneficência pública todas as confrarias tem concorrido com verbas variáveis segundo as suas condições de riqueza; mas nenhum direito autoriza os poderes públicos a atentar contra, a sua própria existência.
Tal atentado implicaria até um grande mal social. As confrarias têm uma função altamente económica, poderosamente equilibradora, grandemente moralizadora nas províncias do norte; são, por assim dizer, a única barreira eficaz que, em vigor, se opõe à usura e a não deixa medrar á solta e à vontade, por emprestarem a juro módico e não trazerem os seus capitais em contínua e arbitrária mudança de devedores.
Essas corporações devem ser mantidas, pois que elas são verdadeiras associações, em que os fiéis entram com a sua cota, e por consequência, não é justo que se lhes vá arrancar o dinheiro que eles lá têm, e que por todos os títulos constitui propriedade sua.
O facto de ser desviado o seu rendimento para fins diferentes daqueles para os quais foram instituídas e por causa dos quais os fiéis as sustentam, dá em resultado o retraimento por parte do povo em satisfazer as suas anuidades, e por tal motivo confrarias cujos rendimentos são na sua maior parte provenientes dessa fonte, vem diminuir assustadoramente as suas receitas.
Uma importante confraria do meu concelho tinha receita dessa proveniência, do valor de mais de 3:000$000 réis. Este ano, devido ao receio da nova aplicação dos rendimentos, diminuíram estes em cerca de 1:000$000 réis.
Quero dizer, o rendimento desta confraria sai quase todo das anuidades dos irmãos, e estes, como dão o seu dinheiro para um fim e vêem que a lei lhes quer dar outro, deixam de pagar. Este facto redunda sobretudo em prejuízo da beneficência, como é natural e óbvio. No caso referido a instituição que sofre é o hospital do meu concelho, que recebe a décima parte da receita bruta dessa confraria, e faltando as anuidades dos irmãos, essa verba fica reduzidíssima, se não anulada, porque o capital da confraria talvez não produza soma igual à décima parte da receita que até agora percebia.
O Sr. Germano Martins: - Mas onde é que está na lei que ela deixe de mandar o dinheiro para o Hospital?
O Orador: - Tenham elas embora a faculdade de aplicar para a beneficência a quantia a ela destinada como entenderem, o que na lei não está claramente definido, de modo algum podem distribuir verbas para quaisquer fins, desde que não as tenham, por os fiéis não entrarem com as anuidades. Isto é fácil, isto já está a suceder; e os irmãos, não tendo outro meio para se eximirem a essa obrigação, demitem-se, resolução que ninguém tem direito a impedir.
Demais as confrarias, cedendo dois terços das suas receitas totais, não ficam com meios de custear de forma alguma os seus encargos próprios, isto é, aqueles para cumprimento dos quais precisamente se criaram.
Seria simplesmente uma violência enorme levar essas corporações a uma tal situação, pois que isso constituiria a negação absoluta dos direitos dos seus membros e sustentadores, que são os irmãos.
Estes é que tem o direito de dispor dos recursos que são mais seus do que propriamente das confrarias, os quais não são mais que as colectividades que os representam.
Com um terço dos rendimentos que poderão fazer as confrarias? Pagando dessa quantia reduzidíssima as contribuições ao Estado, as despesas com a conservação dos seus edifícios, a organização de orçamentos e contas e a aprovação e emolumentos destas, desejo eu saber quanto lhes ficará para as suas despesas próprias. Para muitas o insuficiente, e para a maior parte nada, pois que esse terço nem para as despesas enumeradas chegará. E devo ainda lembrar que grande parte dos capitais de confrarias estão onerados para fins especiais por disposições testamentárias e outros documentos legais, que de forma alguma será possível deixar de respeitar.
O que a justiça impõe é que, pelo menos, a soma das despesas acima indicadas, seja tirada dos rendimentos totais das confrarias, e que de resto saiam os dois terços para assistência e instrução.
Proceder doutro modo é contrariar a equidade e a mais elementar justiça, segundo me parece inteiramente claro.
Sim, as determinações dos que morreram e já não podem alterar as suas últimas vontades, para nós devem ser sagradas, e por isso o nosso respeito por elas precisa ser absoluto, acatante, indiscutível.
A nossa fúria de destruição de instituições do passado e a nossa cega tarefa de tudo alterar, não podem ir até o ponto de violar as determinações dos mortos, que valem mais do que as dos vivos, pois que, segundo um escritor francês, "os mortos mandam, e tem direito a ser obedecidos, quer pelo número, que é superior ao dos vivos, quer pela herança que nos legaram, a qual é o antecedente impulsor de todos os subsequentes progressos.»
Eu conheço factos da mais alta gravidade, que estão a concorrer para a ruína das confrarias e a constituir grandes prejuízos para as instituições que elas podem auxiliar. Pessoas que legavam quantias importantes a confrarias, tem revogado os seus testamentos, por verem que o Estado, numa hora em que se proclama a descentralização, se intromete em demasia na administração destas corporações, eminentemente populares e genuinamente portuguesas.
Dalguém sei eu também que deixava cerca de quarenta contos de réis a uma Misericórdia e que revogou o seu testamento, apenas viu que uma comissão a foi administrar, substituindo arbitrariamente a mesa que os irmãos haviam elegido legitimamente.
De maneira, Sr. Presidente, que é preciso que estas questões sejam tratadas muito reflectidamente, se não quisermos ver que as medidas tomadas nos levam a resultados abertamente opostos àqueles que se intentam e buscam.
De resto, da acção desta Câmara e do Estado nada deve sair que ataque a justiça ou estabeleça luta com os princípios liberais, por todos aceites.
O que se está a dar com as confrarias da minha terra, há-de dar-se em muitas outras.
Este ano houve 1:000$000 réis de diminuição no rendimento proveniente das anuidades dos irmãos; nos anos subsequentes essa diminuição agravar-se há.
Por isso desejava que se fizesse um estudo mais aturado e cuidadoso da situação e condições especiais das confrarias, e se resolvesse, aquilo que fosse bom e justo, de forma que chegássemos a um entendimento claro, definido e razoável, que não prejudicasse excessivamente as confrarias nem as instituições de beneficência.
Sobre as outras partes da proposta nada mais tenho a dizer. A forma como está redigido o artigo deixa os pensionistas em situação impossível, porque o exercício das ordens não depende unicamente da vontade deles: podem ser privados, suspensos pelos seus superiores e, portanto, não exercem as funções e daí tem irremediavelmente de deixar de receber as pensões. Uma tal situação nem é justa nem sustentável.
Sobre as cultuais nada tenho a dizer também, mesmo porque é provável que jamais se constituam e também porque a lei não dispõe obrigatoriamente que elas sejam criadas, para que o culto subsista.» (1) Pronunciou se também sobre a Supressão dos Administradores de Concelho. Nessas palavras tão vivas, fulgurantes de inteligência, não expunha apenas o seu «modo de ver», mas revolvia a história: «esta discussão, aliás importante porque respeita a um dos problemas mais graves da nossa vida administrativa, já nos tem levado muito tempo; por esse motivo não venho fazer um discurso com largas considerações, mas apresentar apenas o meu modo de ver sobre este ponto definido da questão que se debate. Quero simplesmente dizer que nem concordo com a conservação dos administradores de concelho, tais como hoje existem, nem também concordo com a proposta apresentada no projecto do Código Administrativo.
Eu, Sr. Presidente, não tenho pelos administradores de concelho aquela antipatia, aquele medo, aquele grande receio, de que tenho ouvido falar os seus adversários nesta Câmara.
Eu conheço as palavras duras que sobre os administradores de concelho escreveu Almeida Grarret em 1852.
Chamava-lhes criaturas anfíbias, criaturas sempre inclinadas ao mal, nunca ao bem, e sobretudo um empecilho grande à nossa vida social, porque andavam em contínuos conflitos com os delegados do procurador régio, desfazendo acintosamente o que estes faziam.
Naquele tempo davam-se conflitos que hoje não surgem, porque ele referia-se precisamente a épocas em que foram divididos os dois poderes, administrativo e do Ministério Público; como muitas atribuições não ficaram perfeitamente definidas, e hoje já o estão, é que então havia contínuos conflitos, e isso dava lugar a grandes embaraços para a vida administrativa e trazia em contínua confusão a vida dos concelhos.
Conheço as acusações de Garrett, a acção larga e muito discutível dos administradores durante o período constitucional, e conheço também as várias proezas que, na República, os administradores têm feito, pelas arbitrariedades que praticaram, pelas ilegalidades e abusos de vária ordem que fizeram, pelas fraudes verdadeiramente arbitrárias que praticaram, falsificando os recenseamentos eleitorais de tal forma que não podem manter-se e que tem de ser refeitos por completo, porque por eles não podem honestamente ser feitas eleições.
Mas, Sr. Presidente, não é por esta razão que eu não quero os administradores. Pela forma como alguns oradores têm falado dos administradores, parece que, as administrações são uma fonte de males, um aprendizado de vícios e uma escola de criminosos.
Conheço bem, através dos últimos anos do constitucionalismo, muitas cousas em que os chefes políticos, os ministros do reino e os governadores civis escolhiam homens sem escrúpulos, homens audaciosos, homens que apenas se salientavam pela força e pela coragem.
Mas não é por esta razão que eu não quero os administradores; não quero os administradores porque são apenas entidades que costumavam ser absolutamente amoldadas ao arbítrio amplo do ministério do reino e que agora o seriam ao do Interior.
Àqueles que vejo defender a existência do administrador tal como está, não lhe posso atribuir outra intenção senão aquela que tiveram os dirigentes políticos nos tempos passados, que era o criar cegos cooperadores em manejos partidários para fins eleitorais.
Não concordo também, Sr. Presidente, que as atribuições dos administradores passem para os presidentes das comissões executivas das câmaras municipais; e se a razão por que se condena a existência do administrador é simplesmente por ele ser uma entidade essencialmente política, por ser uma entidade sempre pronta a deixar-se manejar pelos seus superiores hierárquicos para interesses partidários, para influências políticas, para vencimentos de eleições, a mesma razão, com mais direito, pode e deve alegar-se contra a investidura dos presidentes das comissões executivas, pois que eles, provindo dum acto eleitoral, em que se criam despeitos, em que se levantam antipatias e até inimizades entre os elementos em luta, padecem, desde a origem, de pior mal do que os próprios administradores de concelho tradicionais.
Portanto esta nova entidade fica sendo ainda mais política do que os administradores de concelho.
É por isso, Sr. Presidente, que, não desejando que continuem os administradores de concelho, tais como estão, de livre e arbitrária nomeação e de livre e arbitrária demissão do poder central, eu entendia, e entendo ainda, sem esperanças de alterar a minha opinião e o meu modo de ver, que se estabelecesse uma magistratura de carreira para estes lugares. Em minha opinião devia haver acesso, por meio de concurso, desde os lugares de administrador de concelho até as mais altas posições de administração pública.
Isso seria um excelente tirocínio para o nosso pessoal administrativo, o qual, por tal processo, quando chegasse aos últimos postos teria perfeito conhecimento da vida administrativa em todos os seus graus.
Em alguns países, como a Inglaterra, por exemplo, obedece-se a este critério; e parece-me que não se administra mal em Inglaterra.» (2)
O Abade de Santa Maria de Padornelo seguia com olhos vigilantes os actos do governo, denunciava as injustiças, as arbitrariedades, os atropelos às regras e os casos obscuros que chegavam ao seu conhecimento. Era, por isso, um dos deputados mais resolutos e inabaláveis quanto aos princípios. «É ser bom republicano», dizia ele», fazer obra patriótica dentro da lei.» (3)
Deixou trabalho meritório nas Comissões de Finanças, Negócios Eclesiásticos, Obras Públicas e Orçamento. Em 1918, abandonou a Câmara de Deputados, alistou se voluntariamente no Corpo Expedicionário Português e foi Capelão Militar nas linhas da frente na grande guerra.


Notas

(1) Casimiro Rodrigues de Sá, Diário da Câmara dos Deputados, 9 de Maio de 1912
(2) Casimiro Rodrigues de Sá, Diário da Câmara dos Deputados, 7 de Maio de 1912
(3) Casimiro Rodrigues de Sá, Diário da Câmara dos Deputados, 12 de Março de 1912