Sendo bastante conhecido pelos seus méritos de escritor, Narciso Alves da Cunha destaca-se por ser o autor da monografia “No Alto-Minho-Paredes de Coura”, justamente considerada a jóia da coroa no quadro da história local.
Além disso, e não contando com a escrita dos seus discursos no Senado da 1ª República, ao qual conferiu a sua sageza de juiz e sacerdote, escreveu, em 1907, o opúsculo religioso “Resumo da Vida e Martírio do B. M. Redento da Cruz, Carmelita, natural de Paredes de Coura”.
Depois de uma procura deste livro, descobri dois exemplares: um na Biblioteca Nacional, em Lisboa; outro na biblioteca da Escola Secundária Santa Maria Maior, de Viana do Castelo, no legado de Júlio de Lemos, aliás um dos grandes amigos de Narciso Alves da Cunha.
Com a ajuda preciosa de um courense – o Doutor Júlio Pedrosa – tive acesso à biblioteca de Júlio de Lemos, prontamente disponibilizada pelo Director da Escola.
Da leitura nota-se que Narciso Alves da Cunha manteve sempre o seu lado de sacerdote, apesar de não ter sido responsável por uma paróquia, tendo assumido funções religiosas na Capela da Universidade de Coimbra e nas Confrarias do Espírito Santo e da Nª Srª do Livramento.
Depois de ter obtido a autorização do Bispo de Braga para a sua publicação, e quem ler “atenta e devotadamente a vida do referido mártir”, tem “a indulgência de 100 dias”, começa do seguinte modo a sua escrita:
“Entre as muitas terras da Província do Minho, reino de Portugal, encontra-se uma, ao norte, situada emtre acidentados montes, cuja origem se perde na noite dos tempos: é Paredes de Coura.
Fértil nos seus vales e abundante de cereais, não o tem sido menos em varões ilustres, quer na arte da guerrra, quer em virtudes cívicas e religiosas, e até em santidade.
Entre estes, ocupa lugar proeminente aquele que, no século, foi conhecido pelo nome de Tomás Rodrigues da Cunha, e na Ordem dos Carmelitas Descalços por Fr. Redento da Cruz. Nasceu na freguesia de Cunha, lugar de Lizouros, deste concelho de Paredes de Coura, e foi baptizado em 15 de Março de 1589, na de Paredes”.
Com origem numa nobilíssima linhagem, com outros membros ilustres “nas esferas da ciência”, e “na qualidade, pois, de militar e contando apenas dezanove anos, seguia para a Índia em 1617, acompanhando o conde do Redondo - D. João Coutinho – prestando ali bons serviços o nosso Tomás Rodrigues da Cunha. Não se deixou, porém, embriagar com as grandezas da terra, nem com as vaidosas honrarias humanas, que cedo o procuraram, pois não tardou que o nosso ilustre conterrâneo fosse nomeado capitão da praça de Meliapor, cargo que o impunha à consideração pública e favor do Rei. Por isso, muito novo ainda, depôs a sua leal espada, despiu a nobre farda de soldado português e, calçando as sandálias dos Carmelitas Descalços na cidade de Tata – império do Grão Mongol – trocou o nome de Tomás pelo de Redento da Cruz”.
Depois de ter estado em vários conventos (Data, Diu e Goa), onde desempenhou cargos humildes (sacristão e porteiro, por exemplo), Fr. Redento da Cruz integou uma embaixada ao Rei de Achém (actualmente, a terra denomina-se Aceh, situada na ilha de Sumatra, pertencente à Indonésia) com vista ao estreitamento de relações de amizade, isto é, de comércio de especiarias.
Porém, e narra Narciso Alves da Cunha que por força dos interesses dos Holandeses, a comitiva em nome do vice-rei da Índia foi recebida com grande animosidade, tendo muitos deles sido submetidos a trabalhos forçados. Fr. Redento da Cruz tornou-se guardador de búfalos, o que não evitou, já que se recusou a renunciar à religião cristã, de ser executado na praia, juntamente com os outros portugueses, a “28 ou 29 de Novembro de 1638”.