janeiro 15, 2011

Narciso Alves da Cunha

Texto (da autoria de Luís Dantas) retirado do endereço
http://luisdantas.skyrock.com/9.html

Narciso Cândido Alves da Cunha nasceu na freguesia de Formariz, Paredes de Coura, a 5 de Setembro de 1851. Estudou em Braga, no liceu e no seminário. Mais tarde, em Coimbra, foi ordenado presbítero (1878) e concluiu o curso de direito (1881). Ocupou diversos cargos: Conservador do Registo Predial da comarca de Paredes de Coura (1885-1901), Magistrado em Bragança (1901-1908) e no Funchal (1910-1911), Administrador do concelho e Presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura (1908-1911), Deputado e Senador (1911-1913). Foi um «homem de saber, de falar e de escrever» (1). A sua obra «No Alto Minho – Paredes de Coura», editada em 1909, não é só um reflexo do carinho consagrado ao património da sua terra e da sua gente, mas também o repositório de vastos conhecimentos no domínio da história, da arqueologia, da lexicologia e da etnografia. Em Agosto de 1905, foi anfitrião e companheiro de Leite de Vasconcelos (1858-1941) na exploração dos dólmenes na Serra da Boulhosa.
Eleito deputado por Ponte de Lima (Círculo n.º 2), nas eleições de 28 de Maio para as Constituintes de 1911, representou com empenho, afinco e probidade, os interesses da região minhota. A sua acção política esteve sempre relacionada com as grandes causas. Na Câmara do Senado, na sessão n.º 9 do dia 14 de Dezembro de 1911, chamou a atenção para os problemas da instrução primária e popular: os maus métodos de aprendizagem; a existência de salas de aulas em casas particulares com vários meses de renda em atraso; a falta de escolas públicas e os edifícios degradados: «à escola da vila de Ponte de Lima, concelho muito populoso e muito frequentado por forasteiros, ruiu lhe o tecto, há tempo, não tendo havido desgraça porque os alunos não foram atingidos pelos destroços.
Doutra escola que conheço, a escola de Ferreira, no concelho de Paredes de Coura, diz o próprio professor que quando chove, é preciso abrir os chapéus-de-chuva para se abrigarem da água.» (2)
Num dos seus discursos sobre o mesmo tema, o tribuno apresentou um projecto de lei para a «criação duma escola agrícola, prática, móvel, pelo sistema das escolas conhecidas pelo nome de Maria Cristina (3), e que tem dado óptimos resultados.» (4) Em boa hora, estas escolas tinham já triunfado em várias localidades: Rio Tinto (1901), Vila Nova de Famalicão (1902), Guimarães (1903), Barcelos (1904), Santa Marta, Viana do Castelo (1905), Braga (1906), Arcos de Valdevez (1907), Ponte de Lima (1908), Penafiel, Amarante (1909) e Marco de Canavezes (1911). Foram surgindo outras também de iniciativa individual, na mesma ocasião, com o nome dos seus patronos: «Comércio do Porto» (cujo título foi escolhido pelo Conde de S. Cosme do Vale, Famalicão, 1903); «Conde de Sucena» (Borralha, Águeda (1904), Azeméis (1905), Ovar e Estarreja em 1907); «José Bessa» (Barcelos, 1905); «Alves Teixeira» (Vidago, 1907); «Condessa de Sucena» (Águeda, 1907); «Conde de Agrolongo» (Guimarães, 1909) e «Rodrigues de Morais» (Ponte de Lima, 1909).
Alves da Cunha tinha ali a palavra límpida, larga visão do futuro - a emoção também o dominava - vontade de compartilhar a vida digna com os homens, as mulheres e as crianças do mundo rural, com «as massas anónimas, que vivem do campo, que vivem da terra e para a terra, que mourejam todo o dia, hora a hora, desde manhã até de noite, debruçadas sobre a mesma terra para lhe pedirem pão para comer e até para o dar ao Estado. Estas classes considero as eu como o verdadeiro nervo da Nação (Apoiados), e por isso hão de permitir me que lhes diga que elas têm sido, precisamente, as mais esquecidas. (...)
Esse povo, ou essa classe do povo, donde venho e com o qual me criei, cujas dores tenho auscultado desde há muitos anos, a cujas festas tenho assistido e com quem ainda há pouco privei perto de quatro anos para lhe estudar e registar a linguagem (...), é de índole naturalmente boa, sofredora e ordeira. (Apoiados).
O povo do norte, e quando digo norte não me refiro a esta ou aquela província determinada, mas a uma grande parte, senão à maior parte do país, é essencialmente trabalhador, respeitador das autoridades, pontual no cumprimento dos seus contratos e verdadeiramente amorável.
Haja vista o que se passa no Alto Minho, naquelas montanhas da Peneda, Soajo e Castro Laboreiro, quando algum forasteiro (e são bem poucos os que por lá aparecem) se abeira do tugúrio do mais pobre dos habitantes que estão encerrados nas ravinas daqueles montes: o hóspede é, para eles, uma pessoa sagrada e é tratado com o melhor que há em casa que, na maior parte dos casos, é pão de centeio e leite.» (5)
Em Abril de 1912, defendeu ainda com entusiasmo «um projecto de alta importância regional, e até nacional» (6): os caminhos-de-ferro do Alto Minho.
A sua voz lúcida, vibrante e firme deixou se de ouvir, mas permanece ainda hoje o eco retumbante dos seus ideais luminosos.
O grande homem público caiu gravemente doente devido a uma pneumonia, e morreu em Lisboa, na casa da Travessa da Palmeira, 64, 2.º andar, no dia 15 de Janeiro de 1913.


NOTAS

(1) Jorge Fernandes Alves, in Narciso Alves da Cunha, Perspectivas do Alto Minho, Intervenções Parlamentares, Edição da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Paredes de Coura, 1997, pg. 9
(2) Narciso Alves da Cunha, Perspectivas do Alto Minho, Intervenções Parlamentares, Edição da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Paredes de Coura, 1997, pp. 33-34
(3) «Tendo o Comércio do Porto preconizado a ideia de que para o engrandecimento agrícola em Portugal se carece não de altas escolas agrícolas, mas sim de ensino posto ao alcance dos mais modestos lavradores, um devotado filho do Porto, em cujo carácter parece reviver o civismo da velha raça portuguesa, leu no Brasil essa afirmação do jornal portuense e, no meio do labutar incessante da sua prodigiosa actividade de comerciante, lembrou se de proporcionar ao próprio Comércio do Porto os recursos pecuniários para a realização do pensamento de que fora apóstolo.
(...)
Interrogado o criador dessas mensageiras do futuro agrícola de Portugal sobre o título que deveria dar se às escolas, respondeu muito singelamente: «Chamem se «Maria Cristina» - o nome da minha mulher.»
Bento Carqueja, Escolas Móveis Agrícolas, Ilustração Portuguesa, n.º 110, Lisboa, 30 de Março de 1908
(4) Narciso Alves da Cunha, Perspectivas do Alto Minho, Intervenções Parlamentares, Edição da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Paredes de Coura, 1997, pg. 35
(5) Idem, idem, pg. 36
(6) Idem, idem, pg.127