Coincidências
No meu percurso de estudante,
tive a Português, no curso geral dos liceus, mais precisamente do 3º ao 5º
anos, se me permitem que ainda use essa terminologia escolar, um
professor-padre-escritor, chamado João Gomes Gonçalves, literariamente
conhecido pelo pseudónimo Joãozinho Lã-Branca.
Com este nome escreveu, no espaço
de três anos, “Cartas de Ternura, Pilhéria e Saudade,” “O Verde e o Vermelho,” e
“Pingos de Sangue no Caminho,” o último também declarado “romance para
maiores.”
Li, decerto, os três livros
enquanto fui seu aluno, lembrando-me das suas aulas, animadas por uma densa
utilização de adjetivos, enchendo as frases de muitos sentidos, em sequências
breves, mas profundas, acompanhados de ideias recriminativas da nova sociedade
que despertava.
Tive a sorte de ter um professor
com método e dotado de ideias, promovendo a personalização do aluno e dando asas
a uma escrita criativa, em que o uso do dicionário era obrigatório, em busca de
outra roupagem para aquilo que comummente se diz, de modo simples, como ar que
se respira.
Li o dito “romance para maiores”
em tempos que ainda não tinha a maioridade, pelo que muitas das suas marcantes
imagens e ideias se perderam pelo caminho. Por estes dias, na escrita de um
outro texto, precisei de reler esse livro e procurei-o online, já que o
exemplar comprado, em escudos, desaparecera, possivelmente por ter sido emprestado
a alguém mais próximo.
Não precisei de fazer a sua
encomenda. Apenas estava disponível num alfarrabista de Braga.
E lá fui. Habitava as estantes vestidas de
muita velhice. Comprei-o. Paguei, mas agora em euros, olhando com satisfação
para a capa que tão bem conhecia, como se o filho pródigo estivesse de regresso
a casa.
Quando o recebi, ávido,
sossegado, reparei que tinha uma ficha de catalogado, na qual constava o autor
e um número. 555. Sim, três cincos.
Tudo normal?
Talvez!
Por que não?
Porque havia ali uma grande
coincidência. Recomprei o livro, escrito por um professor meu, o de Português,
que na altura lecionava no Instituto Missionário Espírito Santo, em Fraião,
Braga. E nessa altura eu usava roupa identificada, ocultamente, pelo mesmo
número que serviu de catalogação ao alfarrabista.
Peguei, enigmático, no livro,
desci a rua dos Chãos e fui à “Brasileira”, um café centenário do coração de
Braga.
A pessoa amiga que procurava, da
Universidade da Madeira, estava reunida com outra pessoa, que
conheço tão bem: o amigo Doutor Carlos Subtil, acompanhado da sua esposa e do
seu irmão, também académico.
Falei-lhes da coincidência do livro.
No final, o Doutor José Subtil
disse-me que também ele andara no mesmo Instituto, no qual não nos cruzámos.
E mais falámos sobre coincidências!