julho 31, 2006

Até Quando (II)

“Nos dias atuais, em um lugar chamado Brasil, a sensação de insegurança tornou-se a tónica do cotidiano, seja no campo ou na cidade. Cada vez mais, o temor de ser atingido pela violência domina a vida, e, diante disso, muitos de nós alteramos itinerários; evitamos sair à noite; colocamos grades e alarmes em nossas casas; almejamos blindar os automóveis ou nos mudarmos para territórios fechados ou cidades menores, na busca, muitas vezes ilusória, de segurança; enfim, mudamos nossos hábitos e o sentido da vida cotidiana. São estratégias pessoais de sobrevivência, na ânsia de sobreviver em um mundo percebido como a antítese da dignidade e solidariedade humana”.

(In “Projeto Imagens do Povo – Observatório de Favelas”, 2005)

julho 30, 2006

Até Quando (I)

Para lá de Copacabana, Ipanema, Pão de Açúcar, Corcovado, e de tantos outros locais de uma cidade tecida em beleza, do Rio de Janeiro folheio um álbum de fotos, no contexto do “Projeto Imagens do Povo – Observatório de Favelas”, assim endereçado por uma amiga brasileira: “a poesia da Maré em seus múltiplos desejos retratada em fotos e poemas”.
No preto e branco das fotos, observam-se testemunhos da alegria, da dor e da graça da vida e reconhecem-se seres plenos, que amam, choram, lutam, brincam e que têm muito a dizer-nos sobre si e sobre o mundo. Através delas, naturaliza-se a acção da polícia, banaliza-se a violência e afirma-se o quotidiano, nas suas múltiplas vivências, dos deserdados de uma sociedade cada vez mais desigual.

julho 29, 2006

O silêncio do 1º ciclo

Pelo Despacho nº 12 591, de 16 de Julho de 2006, e depois de uma larga publicitação nos mídia, o Ministério da Educação altera de forma significativa o currículo do 1º ciclo do ensino básico, tanto na organização das áreas curriculares não disciplinares, quanto no modelo da monodocência.
Entrando em conflito com o decreto-lei nº 6/2001, naquilo que se poderá considerar por contra legem, o despacho subsitui áreas curriculares disciplinares por actividades de enriquecimento curricular e faz coincidir com estas determinadas áreas curriculares não disciplianres (sonbretudo o Estudo Acompanhado). Além disso, introduz uma mudança significativa na gestão do currículo ao estipular que na planificação das actividades de enriquecimento curricular podem ser promotoras as autarquias locais, entre outras entidades.
Se há mudanças necessárias, e é confrangedor verificar que sobre as áreas curriculares não disciplinares não há um rigoroso estudo que permita tirar conclusões, é necessário, de igual modo, admitir que a reestruturação do currículo não por ser ditada por nortadas políticas, quantas das vezes inconsistentes e inadequadas.

julho 28, 2006

Paz

Calado ao pé de ti, depois de tudo,
Justificado
Como o instinto mandou,
Ouço, nesta mudez,
A força que te dobrou,
Serena, dizer quem és
E quem sou
(Miguel Torga, Diário I, 1939)

julho 27, 2006

O círculo vicioso

“O estado lastimoso do ensino secundário em Portugal não pode continuar. É mister pôr termo à situação a que ele desceu, porque assim o requerem numerosas e importantes vantagens (…) Nos dias que vão transcorrendo, a escolha dos conhecimentos componentes dos quadros da instrução secundária franqueia campo a uma luta geral entre os representantes das diversas escolas apostadas a ditar a lei da matéria. O antigo e o moderno saem à estacada. As Ciências disputam a primazia outorgada às Letras. O número de disciplinas com pretensões à eleição recresce. Contra o saber que se diz puro peleja o saber que se chama solitário”.

(Preâmbulo do Decreto nº 2 de 22 de Dezembro de 1894)

julho 26, 2006

Numa escola...

“Numa, o chefe talha a tarefa, na outra, o mestre marca a lição. Numa, impõe-se o modelo, o padrão; na outra, o texto. Numa e noutra, operário e aluno, estão, a cada momento, submetidos à pressão de uma regra uniforme, que aperta, tortura e esmaga, com rigidez de ferro, a variedade fecunda dos livres movimentos e aptidões das suas faculdades.
Na oficina, a repetição, a repetição invariável do mesmo trabalho, que hipnotiza e amputa o espírito. Na escola, uma prolixidade, uma pulverização de cada programa que pouca diferença faz da repetição hipnotizante do mesmo estudo”.

(Bernardino Machado, A universidade e a nação, 1904)

julho 25, 2006

Avaliação aferida

As alterações curriculares no sistema educativo português continuam em marcha acelerada, embrulhadas em opiniões facilmente aceites pela opinião pública e em medidas propostas por anteriores governos. O que a ministra da Educação agora revela sobre a avaliação aferida aproxima-se da promoção de um produto de supermercado, cujo prazo de validade se aproxima do seu terminus.
Decretada em 1992, a avaliação aferida foi somente aplicada, e timidamente, em 2000, sempre na dúvida se deve ser realizada por todos os alunos ou por uma amostra. Enquanto instrumento de regulação das aprendizagens, a avaliação aferida pode, neste momento, ser realizada pelas escolas, não sendo necessária a sua centralização nos gabinetes do ministério.
Se o que está em causa é verificar o grau de cumprimento dos objectivos curriculares de cada um dos ciclos do ensino básico por que motivo se aplica a avaliação aferida a todos os alunos?
Facilmente, e mais ainda de acordo com perspectivas políticas diferentes, os resultados da avaliação podem servir, e distorcidamente, para avaliar os professores e as escolas, deixando de ser um elemento válido para regular as mudanças curriculares. Não quero com isto dizer que a avaliação aferida não seja fundamental, apenas reconhecer que a sua aplicação deve ser inserida num quadro global de reestruturação do currículo.

julho 24, 2006

A eterna culpa dos professores

Ao associar os professores, como se eles fossem os únicos responsáveis, aos resultados escolares, o Ministério da Educação pretende desenhar o rosto de quem poderá ser um dos culpados por aquilo que tem acontecido estruturalmente no sistema educativo português.
É certo que os professores, e diversos estudos falam em 25%, estão ligados ao sucesso dos alunos, não só pela sua formação e motivação, bem como pelo modo como organizam as situações de aprendizagem.
A organização da escola, os alunos e seus contextos e as políticas educativas e curriculares são outros factores preponderantes, não podendo ser esquecida esta máxima dos estudos avaliativos: o insucesso dos alunos é uma categoria intrínseca à escola.
Por isso, quem começará a exigir responsabilidades pela forma como as escolas portuguesas estão a funcionar?

julho 23, 2006

Tabuão - Paredes de Coura


Para lá do festival, há a paisagem...

julho 22, 2006

A escola como organização


A desideologização da educação está em curso, cada vez mais dominada por um paradigma técnico-racionalista, ancorado na economia do conhecimento. As políticas de educação e formação da União Europeia, tanto para o ensino superior quanto para os ensinos básico e secundário, convergem no sentido de transformar o debate educacional em questões meramente técnicas. Discute-se, hoje em dia, a escola como se de um produto se tratasse, mais comparável a uma organização fabril do que a uma instituição pública.
O lema da escola como organização pressupõe diferentes vertentes, mas a que prevalece nos responsáveis do Ministério da Educação, em Portugal, está ancorada nos resultados e na funcionarização dos professores. A escola tem de ser produtiva e se o não é, a culpa é dos professores, nunca das políticas oriundas da Administração central.
Uma forma estranha de olhar para a escola pública, acreditando-se que o Estado nunca se engana e que as suas políticas são sempre perfeitas.

julho 21, 2006

Processo de Bolonha

A mudança de paradigma dominante – da diversidade para a convergência – continua a marcar a agenda da União Europeia ao nível do ensino superior, situando-se, em 2010, a meta de chegada, depois de diversas etapas percorridas e/ ou a percorrer: Sorbonne (1988); Bolonha (1999); Lisboa (2000); Praga (2001); Berlim (2003); Bergen (2005; Londres (2007).
Na conferência de Bergen, os ministros do ensino superior fazem o balanço da implementação do Processo de Bolonha, admitindo atrasos em muitos países, mas também reconhecem os avanços realizados nos dois primeiros ciclos, cuja organização curricular dos cursos deve estar orientada para a empregabilidade.
Sobre o doutoramento, os ministros da União Europeia prevêem que em 2007, em Londres, serão debatidas algumas questões estruturantes, admitindo para já as seguintes: duração (de 3 a 4 anos); programas interdisciplinares; admissão de jovens investigadores; transferência de competências.

julho 20, 2006

julho 19, 2006

Exames do ensino secundário

A possibilidade de os alunos repetirem o exame nacional nas disciplinas de Física e Química (12º ano) demonstra de modo explícito o desfasamento que existe entre uma reforma curricular compulsiva e o distanciamento dos professores. Depois da revisão curricular de 2001, da contra-reforma de 2002 e da nova revisão de 2004, o ensino secundário está confrontado com uma mudança mais no plano dos normativos do que nas práticas curriculares. A incongruência entre o programa leccionado pelos professores e os enunciados dos itens revela, por um lado, a dificuldade que os professores tiveram na apropriação das mudanças e, por outro, o modo abstracto como o gabinete de avaliação (GAVE) decidiu sobre o que avaliar, não considerando as dificuldades que a leccionação de um novo programa representa para os professores.
É sintomático que, pautado pela obsessão objectiva, o GAVE privilegie a escolha múltipla, opte por enunciados muito extensos e transforme uma prova de avaliação num lençol de dúvidas e de artimanhas. Mais perplexidade se verifica quando as respostas dos alunos a um exame nacional não exige o conhecimento objectivo dos conteúdos aprendidos ao longo do ano.
Veja-se, por exemplo, o número excessivo de páginas do exame nacional do 9º ano a Língua Portuguesa.