domingo, 19-06-2011
Diário Notícias, ANA BELA FERREIRA
Chumbar duas vezes só com autorização dos pais do ensino Básico. Para reter um aluno mais do que uma vez no mesmo ciclo, encarregados de educação têm de autorizar. Professores dizem que regras servem apenas para mascarar resultados
Dificultar os chumbos para fabricar o sucesso. Para os professores, este é objectivo das várias condições que têm de ser cumpridas para se poder reprovar um aluno no básico. Planos de recuperação, justificações escritas e uma legislação que determina claramente que a retenção "só ocorre após a aplicação de uma avaliação extraordinária" são alguns dos pressupostos que têm de ser cumpridos. E, para chumbar um aluno duas vezes no mesmo ciclo de ensino, a escola tem de contar com o aval dos encarregados de educação. "Caso o encarregado de educação não autorize, a escola terá dificuldade em chumbar o aluno", alerta José Augusto Pacheco director do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho. E os pais fazem questão de usar esta protecção da lei. No ano passado só a CNIPE (Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação) ajudou cerca de 12 pais do ensino básico a contestar as notas dos filhos, exigindo uma classificação mais alta, o que em alguns casos se traduzia na passagem de ano da criança. "Em alguns casos ajudámos a contestar o primeiro chumbo e noutros era já o segundo", explica Maria José Viseu, da CNIPE. Mas a experiência de Ricardo Silva é contrária a esta realidade. "Sou professor do 3.° ciclo há muitos anos, já fui director de turma e nunca tive um pai que contestasse a opinião dos professores em relação aos resultados escolares do filho." Até porque, acrescenta o dirigente da APEDE (Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino),"normalmente os pais mostram-se perplexos e nem sabem o que escrever" no parecer que têm de dar, quando a segunda retenção dos estudantes no mesmo ciclo é ponderada. A autorização dos pais pode não ter um carácter vinculativo, mas José Augusto Pacheco não tem dúvidas de que é uma forma de dificultar os chumbos. "Tudo isto torna algo difícil concretizar uma retenção", diz. Uma coisa é certa, cada vez reprovam menos alunos e, apesar de o Ministério da Educação não revelar os dados do ano lectivo passado, em 2008/ /2009 só ficaram retidos 13% no básico. Ou seja, 159 215 estudantes num total de 1215380 do l.°ao 9.° ano.
A indicação de que os pais têm de ser consultados sobre os chumbos está fixada no despacho normativo 1/2005. O número 65 refere que "na tomada de decisão acerca de uma segunda retenção no mesmo ciclo, à excepção do 9.° ano, deve ser envolvido o conselho de docentes ou o conselho pedagógico e ouvido o encarregado de educação do aluno".
Os pais são informados no segundo período de que o filho está em risco de reprovar. Por esta altura, os pais são informados e implementam-se os planos de recuperação. Um conjunto de procedimentos estipulados legalmente que revelam, segundo Ricardo Silva, "uma desconfiança em relação ao trabalho dos professores. Como se eles não fizessem toda a vida planos de recuperação quando os seus alunos estão em dificuldades". De facto, as imposições legais até trazem constrangimentos. "Tanto quiseram salvaguardar o direito do aluno ao plano de recuperação que limitaram a sua aplicação a Março. Se um aluno ficar em risco após essa data, já não pode ter ajuda extra de forma oficial". A obrigatoriedade de ouvir os pais é importante, defendem os seus representantes. "Os encarregados de educação devem ser escutados e responsabilizados pelos filhos", diz Maria José Viseu. Mas revelam preocupações. "A dúvida é que os pais tenham formação para acompanhar os filhos nessa recuperação", alerta Albino Almeida, da Confederação de Pais.
Mudar de sistema ou levar mais a sério os apoios
AVALIAÇÃO Não concordando com o método actual, professores e pais pedem mudanças no sistema de avaliação dos estudantes. Albino Almeida, da Confederação de Pais, considera é que é preciso aplicar um método diferente. "Todos os alunos merecem uma segunda oportunidade. Por isso, defendemos o sistema de créditos. Os alunos não chumbam, apenas têm de juntar créditos suficientes para passar de ano. Se não conseguirem, trabalham no Verão para atingir esse objectivo", aponta. O professor Ramiro Marques defende que os apoios tutoriais devem ser levados mais a sério, já que neste momento apenas "se fazem um conjunto de justificações para poder chumbar um aluno, que só acrescentam burocracia". Assim, "o importante seria dar apoios tutoriais sérios nas disciplinas em que o aluno tem mais dificuldades e colocar os professores mais experientes nesse apoio. É assim que se faz na Finlândia". Também o coordenador nacional do Projecto Escolas Rurais e director executivo do Instituto das Comunidades Educativas, Rui d'Espiney, aponta para o impacto negativo das restrições aos chumbos, que têm por base "a imposição de resultados". "Se for necessário, neste momento, até com um chicote se impõem medidas para garantir que os resultados são alcançados". Uma ideia antieducativa, garante o professor. A sua experiência diz-lhe que o caminho está numa maior interacção entre a escola e a família. "Não se tem investido num diálogo para a construção de um projecto educativo. Se isso acontecesse ia aumentar o sucesso escolar", assegura. A.B.F.