Ultimamente, tenho entrado em muitas salas de aula da escola do 1º ciclo do ensino básico. As salas que agora presencio alteraram o visual, há desenhos por todo o lado, dispersam-se materiais pelas mesas, desapareceram as imagens relativas ao Estado Novo - Deus, Pátria e Família, por exemplo, quem não se recorda desta frase e da imagem de felicidade de uma lar rural? - e foi apeada a figura triste e sisuda de Salazar.
Todavia, o núcleo da sala de aula não sofreu alterações significativas. Permanece o quadro negro, monitor do conhecimento escrito, mesmo puído pelo som estridente do giz branco em conflito permanente com os dedos frágeis, e em muitas salas, sobretudo nas mais antigas, continua a figura cimeira do Cristo crucificado, lembrando que a aprendizagem também é sofrimento.
A minha lousa de xisto, onde comecei a escrever as primeiras letras e a fazer as primeiras contas, já não existe. Deixou de ter lugar. E como gostava dela, de limpar as letras e números com os punhos da camisola, transportando-a para a escola todos os dias. Jamais imaginara que a recordaria mais tarde, dedicando-lhe algumas palavras, que ela me ensinou a organizar.
A minha lousa partiu-se e no seu lugar surgiu o computador. Lenta e entusiasticamente, a lousa de todos nós, de um passado ainda recente, converteu-se no “Magalhães”, esse computador que promete revolucionar a escola.
Nunca dera um nome à minha lousa, se fosse hoje talvez lhe chamasse “Bartolomeu”, esse navegador algo esquecido que nos deixou o legado da aventura, ensinando-nos como é possível transformar a escola das tormentas numa escola de boa esperança (A propósito, e para quem gosta de embarcar nos descobrimentos portugueses, metendo-se por esse mar dentro na caravela da literatura, sugiro a leitura do livro “O Navegador da Passagem”, de Deana Barroqueiro).
Entre o “Bartolomeu” [Dias] de ontem e o [Fernão de] “Magalhães” de hoje, existe em comum a descoberta em direcção ao desconhecido. Essa é a grande aventura da escola. A sala pouco se alterou, parece-me que continua a ser um espaço muito pobre ao nível de um ambiente escolar, não estando a solução miraculosa num computador, ainda que se deva reconhecer que os alunos de hoje navegam noutros mundos do conhecimento, nos quais podem entrar se aprenderem o que é básico numa escola dos primeiros anos de escolaridade.
Mesmo assim, a lousa não é diferente do computador, pois foi o registo permanente das minhas dúvidas e do meu imaginário. A energia da lousa estava nos alunos, talvez tenha sido essa a grande lição de um recurso tosco, escuro e inconcebível para os alunos das escolas de hoje, tão ligados aos computadores.