janeiro 23, 2008

Mudanças nos órgãos autárquicos

Tem sido notícia, nos últimos dias, a discussão da proposta de alteração à lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais. O anteprojecto foi aprovado na generalidade na Assembleia da República, dentro de um “processo negocial de convergência”, pelos grupos parlamentares do PS e PSD. Condenados a desentenderem-se em tantas assembleias municipais, os dois partidos estão, agora, forçados a impor um modelo que é explicado por palavras tão usuais nas políticas económicas e sociais, por exemplo, “eficiência”, “eficácia”, “efectiva responsabilização”.
Para que haja uma “mais directa relação entre os eleitos e os eleitores”, a arquitectura dos órgãos das autarquias locais é substantivamente modificada em dois aspectos essenciais. No primeiro, a personalização do órgão da Câmara Municipal. O Presidente terá, doravante, a possibilidade de escolher, sem que signifique o escalonamento dos vereadores numa lista separada, tal como acontecia até aqui, as pessoas da sua confiança.

Quer dizer: o Presidente da Câmara terá um leque muito maior de escolha, depois das eleições, dos seus vereadores, mas desde que esses elementos façam parte da lista eleita para a Assembleia Municipal. Além disso, o Presidente terá uma maioria mais confortável, pois a oposição ficará mais reduzida em termos de representatividade no órgão camarário. Entender-se-á, por isso, a discordância absoluta dos pequenos partidos, sobretudo quando tudo é mudado em nome da “governabilidade”, “eficiência” e “responsabilização”.

Quanto ao segundo, a Assembleia Municipal vê reforçados os seus poderes de fiscalização e controlo. O Presidente da Câmara, que será o candidato da lista que obtiver maior número de votos nas eleições, forma a sua equipa no contexto da Assembleia, podendo ocorrer neste espaço a sua destituição. Deixará não só de haver listas separadas para a Assembleia e para a Câmara, como também se processará de modo mais directo a interligação destes dois órgãos. Julgo que este aspecto é o que mais consenso pode gerar. O presidente da Assembleia, como o escrevi nestas crónicas, não tinha programa eleitoral próprio e, acima de tudo, dependia de um relacionamento de parceria, já que a agenda, por força de lei, era, essencialmente, determinada pelo exercício das competências da Câmara Municipal.

No entanto, há um ponto de muita discórdia: os Presidentes das Juntas de Freguesia deixarão, e sinceramente não acredito que esta proposta seja a mais correcta, de usar o direito de voto nas seguintes competências da Assembleia Municipal: “Acompanhar e fiscalizar a actividade da câmara municipal, dos serviços municipalizados, das fundações e das empresas municipais”; “aprovar as opções do plano e a proposta de orçamento, bem como as respectivas revisões”. Os Presidentes das Juntas de Freguesia seriam uma espécie de meios-deputados municipais, podendo decidir em 41 competências da Assembleia Municipal, sendo afastados de uma área que mais poder reivindicativo lhes confere. Neste ponto, a lei necessita de ser mudada, sobretudo quando se fala no texto de transparência e responsabilização.

janeiro 10, 2008

Pedagogia eleitoral

Quem se der ao trabalho, e há quem o faça por outros motivos, de analisar o que os candidatos dizem nas campanhas eleitorais e comparar, depois, com aquilo que fazem na qualidade de governantes, encontrará, decerto, muitos desfasamentos.
Em período eleitoral, o actual primeiro-ministro prometeu que referendaria o Tratado Constitucional, que muitos países europeus começavam a rejeitar. Agora, e com a poeira do tempo a sobrepor-se às promessas, é-nos dito que não, que tudo se decidirá pelo voto dos deputados e não pelo voto dos eleitores, pois fala-se de uma realidade bem diferente, ou seja, do Tratado de Lisboa.
Esta quebra é engenhosa porque só evidencia que os políticos têm argumentos suficientes para decidirem o que bem entendem, esquecendo-se que tudo muda, pelo que a promessa devia estar proibida. Há sempre algo de novo que os faz mudar.
Talvez faça sentido aprender com estes erros, mas qual é o candidato que tem tino na palavra?



janeiro 06, 2008

2008

2008 começou sob o signo do conflito.
Do conflito, tácito, entre as leituras do Presidente da República, que cheiram a reprimendas, e as certezas do Primeiro-ministro, gozando, ainda, a euforia da presidência da União Europeia.
Trata-se de um conflito em torno da educação (qualidade da formação e estatuto do aluno são, talvez, os pontos críticos), da justiça (soprada por ventos ineficazes) e da economia (a propósito dos salários mais elevados).
Todas as chamadas de atenção são úteis e sensatas, sobretudo quando a maioria parece dispensar as análises críticas. Mas como é possível que o Presidente da República se esqueça dos seus dez anos de governação?
Do conflito, explícito, entre os fumadores.
A lei do antibagismo está a ser aplicada desde o dia 1 de Janeiro. Como não fumador, e por opção, aplaudo por inteiro a medida. Sinto que tenho o direito a não fumar activamente o meu cigarro e o cigarro dos outros, de forma passiva.
No entanto, é deprimente ler os textos virulentos, totalmente despidos de razoabilidade, de pessoas como Vasco Pulido Valente, Miguel Sousa Tavares e António Barreto, quer no "Expresso", quer no "Público".
Perante estes textos ferozes, com comentários políticos despropositados, que fazer?
Decerto, fortalecer ainda mais a lei, e desse modo talvez se calem ou, pelo menos, possam aprender que o direito de fumar implica o direito de não fumar.