março 29, 2020



Não sendo o território de Coura uma terra de vinha, a não ser daquela que justifica a ação individual para consumo doméstico, nem de conventos, porque desse modo a doçaria manteria a secular tradição de gastar os ovos, a gastronomia – ou esse saber feito experiência da cozinha e da arte de saborear – tem um lugar reservado em cada courense, de paladar ainda mais gostoso, se for apreciada pela memória transmitida ao longo de gerações, verdadeiros artífices de uma identidade que cunha uma terra como algo que é verdadeiramente seu.
Se Aquilino Ribeiro literariamente revelou as papas de milho e as trutas do rio Coura, que refletem o pão dos campos e a água cristalina e fria dos afluentes ribeiros que correm no concelho, se Narciso Alves da Cunha exaltou a terra fria do milho, do centeio e da batata e a terra quente dos afetos, se outros escribas falaram de várias iguarias, não posso deixar de degustar o que ainda está enraizado no meu paladar
Por mais que a universalidade o justifique como uma das principais sobremesas, o arroz doce de Coura, feito nesse tempo com o leite do dia da Casa da Veiga e com os ovos ainda quentes das galinhas livres do quinteiro, amarelado na sua cor natural de uma ruralidade sadia, ainda hoje tem um paladar divinal.
Coze-se o arroz em leite, acrescenta-se uma casca de limão e um pau de canela, adoça-se com açúcar e no final juntam-se as gemas e salpica-se de canela, já na travessa.
 Mais sabor tem ainda no lume brando do fogão a lenha e nas mãos calmas e experientes de nossas mães, como se fosse a iguaria de deuses imaginados em seus repastos de humanos gulosos.
Também na doçaria, o biscoit0 de milho era obrigatório pela Páscoa e pelos dias festivos. À farinha de milho, saída dos moinhos do rio, juntam-se os ovos caseiros, desenha-se meticulosamente em “S” a massa e leva-se, de seguida, ao forno para ganhar a necessária robustez e consistência, conservando-se a iguaria por longos meses.
O caldo adubado tem um lugar reservado nessa memória gastronómica da terra de Coura, abundante em carne de porco e colocada no frigorífico da salgadeira, adormecida em sal, passada por vinho tinto e colorau. Na panela grande que alimenta uma mesa de comensais diários, fervem-se os legumes frescos da horta, robustecidos pela batata, juntamente com um osso da salgadeira, e depois o sabor é digno das palavras mais elogiosas.
E que paladar tinha o bolo do tacho, confecionado na simplicidade das gentes de Coura, com a farinha milha predominante, podendo ser acrescentada a farinha triga, com a água pura das montanhas, com o toucinho da salgadeira e da chouriça defumada, com o sal, e depois tudo vai ao tacho (frigideira) para “aprontar”, pela força do calor da lenha que derrete o unto de porco.
Comia-se pelos dias fartos e alegres de trabalhos agrícolas e guardava-se no paladar de uma inigualável iguaria.