Saí
de Tóquio em direção a Singapura e ainda fui a tempo de presenciar comemorações
do novo ano chinês, em que o bairro de Village se encheu de barracas de comes e
bebes, trazendo-me à memória o que acontece em Coura todos os anos, quando o
largo da feira se enche de comida tradicional e se empanturra de vinho e
cerveja.
Mesmo sendo um ponto de passagem,
pois é um dos maiores centros distribuidores do mundo ao nível de passageiros
aéreos e de contentores comerciais, Singapura tem uma beleza urbana que jamais
se pode esquecer. É
principesca nos seus edifícios e exibe os sinais de uma das sociedades mais
organizadas que poderemos conhecer, apesar de ser uma democracia imperfeita,
lembrando a frase que se utiliza para os tempos gregos de Péricles e companhia.
E
chego a Timor, mais concretamente a Díli, levando na bagagem a expetativa de
saber como iria reencontrar a cidade depois da saída da quase maioria do
pessoal da ONU e também do contingente da GNR. E
Díli mudou imenso. Há menos circulação de carros oficiais, ou de jipes
superprotegidos de pessoas bem pagas internacionalmente, continuando mesmo
assim o trânsito frenético de motas e de táxis.
Desta
vez, circulei muito pouco dentro da ilha. Apenas fui a Liquiçá e Maubara, numa
visita rápida, pois as estradas, como diz o Snr. Félix – um dos homens mais
simples de Timor e um dos mais teóricos da sabedoria popular -., estão cada vez
mais preguiçosas, ou seja, com muitos obstáculos que as tornam lentas e quase
imprevisíveis.
Depois
da forte de Maubara, chamou-me a atenção um conjunto de campas brancas, moídas
de sujidade pelo tempo. Aproximei-me
e, amarguradamente, contei, na primeira fila, 12, e na 2ª fila, cinco. Li, em
voz alta, os seus nomes, todos eles escritos em língua portuguesa, e confirmei
a data da sua morte, a 6 e 17 de abril de 1999. Todos
jovens, entre os 14 e 22 anos. Que dor de alma esta imagem de incompreensão
humana, sobretudo quando se está perante alguém que lutou para ser livre,
acreditando no entendimento entre as pessoas. Mais
uma vez, socorri-me do conhecimento do Snr. Félix, que me informou que se
tratou de dois massacres. Fico sem palavras e um arrepio percorre-me o corpo,
impondo-me o máximo de respeito por estes jovens, cobardemente assassinados.
Torno
a ler os seus nomes, agora, no meu silêncio de sofrimento, e fico
distraidamente a olhar para as águas azuis de um mar calmo que se prolongava à
minha frente.
Gostaria de ter ficado assim mais tempo, mas
tive de voltar a Díli, já que as estradas estavam inundadas de uma chuva
copiosa que caíra sem parar durante algumas horas.