dezembro 18, 2010

Subsídios históricos (Paredes de Coura)

Em tempos de comemorar o 1º centenário da proclamação da República, é tempo de recordar algumas das figuras mais proeminentes de Paredes de Coura. De todas elas, destaco, pela sua importância pessoal, política e cultural a figura do Dr. Narciso Alves da Cunha.
Tendo vivido 62 anos, Narciso Alves da Cunha, e dada a sua amizade com o político e semi-courense Bernardino Machado, nome cimeiro dos primeiros tempos da República, teve uma influência ímpar na política regional, sobretudo depois de ter sido eleito deputado e senador, cujos cargos exerceu entre 1911 e 1913.
Apesar de ter sido membro do Partido Regenerador até Outubro de 1910, a República não o diminuiu politicamente, pois a sua formação humana rapidamente o colocou como membro do Partido Republicano, em estreita amizade com João Chagas e Afonso Costa, entre outros, não sendo possível esquecer o nome de Bernardino Machado, que começava a desempenhar os principais cargos da Nação.
Tendo-se mantido fiel ao Partido Regenerador até ao fim da monarquia, há uma polémica muito interessante com o António Mota, deputado e responsável em Valença e Paredes de Coura pela ala conservadora saída do Partido Regenerador, chefiada por Campos Henriques. Nessa mesma altura, Narciso Alves da Cunha apoiava Teixeira de Sousa, amigo pessoal de Bernardino Machado e de Afonso Costa, e nomeado líder do Partido Regenerado em Dezembro de 1909, bem como último chefe de um governo monárquico. É neste contexto que deve ser analisada a seguinte carta, envida pelo Drº. Narciso ao Drº António Mota, deputado nacional, natural de Valença, e dirigida para o Hotel Europa, Lisboa, em 26 de Janeiro de 1909.

“Meu caro Dr. Mota:

São sete horas da noite e acabo de receber o seu telegrama de hoje, no qual diz “que se considera incomodado dos seus encargos enquanto não reaver voto de confiança em harmonia com a nossa entrevista de finais de Dezembro”.
Em finais de Dezembro, para cumprir um dever de amizade e delicadeza, procurei o meu caro Dr. em sua casa para o cumprimentar, pois que da última vez que eu tinha estado em Valença, já o quisera fazer, chegando a indagar se estava ou não em sua casa, mas não me foi possível, por falta de tempo. Se a isto, à visita que eu fiz, em finais de Dezembro, chama entrevista, concordo com o termo empregado.
A verdade é que, por essa ocasião, abordado o assunto do Campos Henriques eu disse ao meu bom amigo que nós (os de Coura) nada tínhamos deliberado sobre o assunto. Disse-lhe a verdade e só a verdade.
Depois o Dr. Mota fez as suas apreciações quanto ao facto de Vilhena ter ou não tacto e qualidades para dirigir o partido. Concordei consigo neste ponto.
Depois falou-me de favores e finezas que devia ao Pimentel Pinto; depois leu-me e apreciou uma carta do Dr. Arturr ; depois falou-me de favores que devia ao Campos Henriques, dos embaraços em que tal estado de causas o colocava, e por último, que ficaria independente.
Prometi-lhe alguma coisa? Tomámos alguma deliberação, concertada entre ambos? O meu bom amigo saiu do partido regenerador?
Se saiu, não pode ter a confiança política do partido que foi de Miguel Dantas: se não saiu encontra-me e encontra todo o partido regenerador de Coura onde estávamos. E pergunto se saiu porque aqui corre, á boca cheia, que o Dr. Mota passou para o Campos Henriques; e tem-se estranhado, a ser isso verdade, como parece, não ter dito, claramente, a sua resolução.
Se, pois, se mantém fiel ao partido regenerador, o voto de confiança, de que fala, não se fará esperar. Se, porém, está com o Campos Henriques, nada me importa que leve consigo todos os partidários deste concelho, que o foram de Miguel Dantas, menos a mim.
Quem não pode representar, numa assembleia geral do seu partido, o eleitorado com quem tem ajudado a fazer deputados, também não pode continuar a prestar iguais serviços a quem faz afirmações daquela natureza.
Pão, pão, queijo, queijo. Continuo na minha teima: não estou resolvido a serviçal de cão mudo ao Snrº. Campos Henriques. Não estou e não serei.
Podia dizer tudo isto em duas palavras. Entendi, porém, que devia ao meu caro Dr. Mota esta definição de situações: eu onde sempre tenho estado, os outros onde quiserem.
Com o maior prazer recebo as suas ordens e assino-me
Seu afectuoso amigo, e com muito obrigado. Coura, 26-1-909 Narcizo”

dezembro 05, 2010

Que nada se sabe...

Que nada se sabe!
Esta frase pode significar muita coisa, mas é o título de um livro, escrito entre os séculos XVI e XVII, por Francisco Sanches.
Tendo sido denominado um precursor de Descartes, o filósofo da dúvida metódica, o bracarense Francisco Sanches não quis dizer que nada sabemos sobre o mundo ou sobre as coisas, apenas que o conhecimento dos homens não pode ser superior ao conhecimento, inacessível, de Deus.
Colocando de lado as questões mais ligadas ao conhecimento, e entrando no espaço político, parece que nada sabemos sobre o nosso futuro como país.
Paira sobre os portugueses um certo nervosismo e uma justa desconfiança relativamente aos políticos que nos têm governado nas últimas décadas.
Nada sabemos sobre o que nos espera nos próximos anos e décadas.
No entanto, adivinha-se que a maioria dos portugueses será confrontada com muitas dificuldades, enquanto, alguns, uma minoria que tem crescido enormemente, têm um paraíso dourado à sua frente. São os tais das mais-valias financeiras e os que politicamente dão sentido à célebre frase do António Guterres: the jobs for the boys (“os empregos para os rapazes” – amigos do poder, obviamente).
Sobre a crise económica nada sabemos. No passado, nada nos disseram de verdadeiro, já que nos enrodilharam em promessas e mais promessas que jamais dariam resultados. Promessa vinda da esquerda, por vezes cega quanto às efectivas possibilidades de mudar, e promessa oriunda da direita, quase sempre eufórica sobre as facilidades imediatas da mudança.
O mundo político parece que nada sabe sobre a vida dos portugueses. Apenas sabe que é um povo contribuinte, pagante ou não pagante de impostos, dependendo dos mais honestos e dos mais espertinhos, e sobre quem se poderá sempre aumentar o peso do dia-a-dia, mesmo que isso signifique despedimentos, redução de salários (para sempre, diz-se!), subida de impostos, levantamento de barreiras na educação e na saúde, enfim, o anúncio que o Estado-social vai enfraquecendo, qual moribundo que corre para a sua própria cova.
Sendo já enorme a crise, porque Portugal sempre teve a tendência doentia para se endividar no estrangeiro, ficando nas mãos dos investidores financeiros, as tais figuras invisíveis que constituem o mercado, nada se sabe sobre o que ainda falta acontecer nos próximos tempos.
Vamos cair nas garras do poder do Fundo Monetário Internacional? Vamos pedir para a porta da União Europeia?
Não, não vamos! Sim, vamos!; Possivelmente, vamos, como aconteceu aos gregos e aos irlandeses!. Obrigatoriamente, vamos, para que os espanhóis e, mais tarde os italianos, não entrem em crise.
Apesar de nada se saber sobre o dia de amanhã, muitos jovens portugueses já sabem que o seu futuro não passa por este país, mesmo estando mais habilitados a responder a novos desafios.
E um país que expulsa os seus jovens mais qualificados, como no passado expulsou os seus adultos menos qualificados, nada sabe sobre si mesmo.
Que realmente se pode saber sobre nós portugueses?