
Se Aquilino Ribeiro literariamente revelou
as papas de milho e as trutas do rio Coura, que refletem o pão dos campos e a
água cristalina e fria dos afluentes ribeiros que correm no concelho, se
Narciso Alves da Cunha exaltou a terra fria do milho, do centeio e da batata e
a terra quente dos afetos, se outros escribas falaram de várias iguarias, não
posso deixar de degustar o que ainda está enraizado no meu paladar
Por mais que a universalidade o justifique
como uma das principais sobremesas, o arroz doce de Coura, feito nesse tempo
com o leite do dia da Casa da Veiga e com os ovos ainda quentes das galinhas
livres do quinteiro, amarelado na sua cor natural de uma ruralidade sadia,
ainda hoje tem um paladar divinal.
Coze-se o arroz em leite, acrescenta-se uma
casca de limão e um pau de canela, adoça-se com açúcar e no final juntam-se as
gemas e salpica-se de canela, já na travessa.
Mais
sabor tem ainda no lume brando do fogão a lenha e nas mãos calmas e experientes
de nossas mães, como se fosse a iguaria de deuses imaginados em seus repastos
de humanos gulosos.
Também na doçaria, o biscoit0 de milho era
obrigatório pela Páscoa e pelos dias festivos. À farinha de milho, saída dos
moinhos do rio, juntam-se os ovos caseiros, desenha-se meticulosamente em “S” a
massa e leva-se, de seguida, ao forno para ganhar a necessária robustez e
consistência, conservando-se a iguaria por longos meses.
O caldo adubado tem um lugar reservado
nessa memória gastronómica da terra de Coura, abundante em carne de porco e
colocada no frigorífico da salgadeira, adormecida em sal, passada por vinho
tinto e colorau. Na panela grande que alimenta uma mesa de comensais diários,
fervem-se os legumes frescos da horta, robustecidos pela batata, juntamente com
um osso da salgadeira, e depois o sabor é digno das palavras mais elogiosas.
E que paladar tinha o bolo do tacho,
confecionado na simplicidade das gentes de Coura, com a farinha milha predominante,
podendo ser acrescentada a farinha triga, com a água pura das montanhas, com o
toucinho da salgadeira e da chouriça defumada, com o sal, e depois tudo vai ao
tacho (frigideira) para “aprontar”, pela força do calor da lenha que derrete o unto
de porco.
Comia-se pelos dias fartos e alegres de
trabalhos agrícolas e guardava-se no paladar de uma inigualável iguaria.