outubro 18, 2007

"Vende-se"

“Vende-se” – é a placa que mais encontro no concelho de Coura.
Em todo o lado, o frio das letras interioriza não a consagração do princípio do mercado, assente na oferta e procura, dependentes da vontade e necessidade do cliente, mas o esvaziar de espaços afectivamente construídos no caminhar de muitas gerações.

À minha volta, em Santa, o silêncio faz-se sentir. As crianças não brincam pelos caminhos, as pessoas não se cruzam como outrora e o “bom dia”, o “boa tarde” e o “boa noute”, como gostava de pronunciar meu pai, não se ouvem com tanta frequência.

Agora o carro também limita ainda mais essa comunicação de caminhos, mais forte há anos atrás porque todos se conheciam e para todos havia um registo muito personalizado.

As pessoas partiram, algumas para todo o sempre, e no seu lugar ficou a terrível placa “vende-se”.

Num espaço reduzido como é o monte de Santa identifico pelo menos oito lugares à venda. Mais do que a procura de novos donos, que trazem outros sonhos, e com quem não terei muito a oportunidade de dialogar, pois chegam e partem apressados, sinto o vazio dos que lá moraram, ainda que mentalmente possa reconstituir cenas e figuras do passado.

Em quase todos esses espaços, em abandono afectivo, há vidas que se cumpriram no amor eterno ao lugar, há vidas que partiram para outras terras e há vidas que ficaram desamparadas.

Podemos dizer que o ciclo das coisas é algo natural. A nossa humildade de humanos está precisamente na aceitação deste pressuposto que nos torna passageiros de uma viagem bem sinalizada. Mas se muitos partiram, o facto é que outros não lhes sucederam, prolongando o cordão umbilical das famílias. O ritual da sucessão quebrou-se, e daí o vende-se.

E esta placa, mais do que um negócio, é uma borracha que apaga os sentimentos dos lugares, tornando deléveis as imagens daqueles que conhecemos tão bem, por mais incisivos com que tenham sido registados.

Os que chegam de novo trazem os seus laços familiares, olham para os locais como moribundos afectivos e, passado algum tempo, afixam uma placa a dizer “vende-se”.

Neste ritmo de compra e venda, os sentimentos não são comercializáveis. Não há mercearia onde possamos comprar o que mais de familiar nos liga à memória viva dos lugares e não há dinheiro possível para um acto que se torna num verdadeiro sofrimento para quem decide escrever numa placa as sete letras (vende-se) que indicam o fim de um caminho percorrido com muitos afectos.