Classificar alunos de 1 a 5 é penalizador?
A escala de 0 a 100% foi introduzida no ensino básico
após o 25 de Abril de 75 no âmbito do processo de democratização da escola.
Será que quatro décadas depois está, pelo contrário, a prejudicar os mais
fracos? É o debate que está na ordem do dia.
Um sistema de classificação que foi criado para evitar a discriminação de
alunos poderá, actualmente, estar a prejudicar os estudantes que têm mais
dificuldades? Há quem acredite que sim e defenda alterações, como o presidente
do Conselho Directivo do Instituto de Avaliação Educativa (Iave), Hélder de
Sousa. Mas também quem considere que a desadequação de uma escala que serviu 40
anos foi provocada, precisamente, pelo actual Governo e pela introdução dos
exames no 4.º e no 6.º anos de escolaridade.
No ensino secundário, os exames
são cotados numa escala de 200 pontos, depois transposta para a de 0 a 20
valores. No ensino que hoje se designa como básico, até ao 9.º ano de
escolaridade, o sistema é outro. “Em 1976, num contexto de democratização da
escola, criou-se o chamado ensino unificado. E, precisamente para esbater as
diferenças entre as crianças e reduzir aquilo que era considerado um estímulo à
competitividade, instituiu-se a classificação por níveis, de 1 a 5”, explica
José Pacheco, especialista em Educação, da Universidade do Minho.
Desde então, do 5.º ano ao 9.º os alunos são avaliados de acordo com uma
escala de 0 a 100 que depois é transposta para níveis: quem tem entre 0 a 19%
fica no nível 1; de 20 a 49% no nível 2; de 50 a 69% no nível 3; de 70 a 89% no
nível 4 e acima dos 90% no nível 5.
Aquela escala torna-se penalizadora, considera o presidente do Iave, Hélder
de Sousa, na medida em que um aluno do ensino básico que tenha a classificação
interna de 2 precisa de ter 4, ou seja, mais de 70% no exame, para ter
positiva. Isto enquanto no secundário um aluno que tenha a classificação 8 (que
é o equivalente aos 40%, ou seja, ao nível 2 do básico), apenas precisa de ter
13 (ou 65%, que representaria o nível 3 no básico) para passar. Para os alunos
que têm mais dificuldades, que vão com 2 ao exame (que tem um peso de 30 % na
nota final”) isto é penalizador, considerou, em entrevista ao PÚBLICO. E
clarificou: "Não faz grande diferença para o perigo de aluno com média
positiva reprovar, mas para permitir que um aluno que está em dificuldade possa
passar é mais exigente".
A perspectiva do presidente do Iave é coincidente com a de Manuel Oliveira,
vice-presidente da Associação Nacional de Professores (ANP) que considera
“objectivo” que a escala actual dificulta a recuperação de alunos que partem
com negativa para os exames e diz que a questão está na ordem do dia. “A escala
não mudou, mas passou a haver exames e também a noção, relativamente recente
mas consensual, de que as retenções são prejudiciais para os alunos, para as
famílias e para o sistema”, afirma.
Naquele contexto ( e também face aos incentivos do Governo ao
sucesso) Manuel Oliveira diz ser favorável à alteração da escala, no
básico, para 0 a 200. “Principalmente para o exterior – para os alunos e as
famílias – é mais fácil explicar a subida de um 8 para 9,5 do que a subida de
um 2 para um 3. Por outro lado, dar a um aluno que tem 40 e tal por cento o
mesmo 3 que se dá a um estudante que tem 65% é criar uma cadeia de injustiças
extremamente desmotivadora para as crianças”, comentou.
Fernando Nabais, presidente da recentemente criada Associação Nacional de Professores
de Português (Anproport) frisa que as dificuldades em trabalhar com os níveis
estão expressas no facto de os professores se referirem, quando falam com os
alunos ou com os pais destes, em 4+ ou 3, por exemplo. E diz ser favorável à
mudança de escala, não como medida de promoção do sucesso, "claro",
mas de uma avaliação mais rigorosa.
É também semelhante o ponto de vista inicial de Manuel Pereira, da
Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), que comenta o assunto
dizendo que uma escala que “permite atribuir o mesmo nível ao aluno que não
quer saber da escola e ao que se esforça mas não chega à positiva tem de estar
errada”. A sua proposta, no entanto, “não é a mudança de escala, mas a promoção
de uma avaliação qualitativa até ao 6.º ano, a par de uma reforma do actual
modelo de ciclos”.
Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Directores de
Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), nem sequer discute a questão. Diz-se
“estupefacto com o ponto a que se chegou na tentativa de redução da escola a
exames, números e percentagens”: “Querem resolver o problema do insucesso?
Invistam em mais recursos, em mais apoios, em mais assistentes operacionais, em
psicólogos, em turmas menores o que gastam com as retenções”, sugere.
É sensivelmente na mesma linha que Filomena Viegas, da direcção da
Associação de Professores de Português (APP), e Lurdes Figueiral, presidente da
Associação de Professores de Matemática (APM), analisam o problema. Ambas
consideram que “a perversão foi introduzida com os exames no 4.º e no 6.º anos
e com a alteração da avaliação no fim do 1.º ciclo de qualitativa para
quantitativa”.